O sonho de empreender

Há 20 anos, quando foi criada a Editora Empreendedor e lançada a revista Empre­endedor, poucas pessoas sabiam pronun­ciar a palavra, pois nem mesmo constava em dicionário. Nenhuma universidade tinha sequer uma disciplina sobre empre­endedorismo. Hoje, praticamente todas as universidades têm disciplinas de empreen­dedorismo e muitas delas disponibilizam amplos cursos para estimular o surgimento e fortalecimento de empreendedores.

Uma recente pesquisa realizada pela Endeavor Brasil, entidade de apoio ao em­preendedorismo, constatou que hoje 76% da população brasileira quer montar uma empresa própria. A pesquisa também mos­trou que 88% dos entrevistados acreditam que “os empreendedores são geradores de empregos” e 74% deles acreditam que “em­preender é a base para a geração de riqueza e benefícios para todos”.

Entidades que se mostrariam fundamen­tais para o desenvolvimento de uma cultura  empreendedora no País foram criadas ou tiveram seu desempenho aprimorado no decorrer deste período, como o Sebrae por exemplo. O professor Afonso Cozzi, da Fun­dação Dom Cabral (FDC), lembra que quan­do foi fundado, na década de 1970, o órgão não visava tanto à criação de novos negócios, mas a manutenção daqueles já existentes.

A partir de 1990, quando passou a fazer parte do Sistema S, houve uma mudança no foco em dicas de gestão para o incentivo ao em­preendedorismo em si. Na avaliação de Cozzi, a mudança foi fundamental para diminuir a taxa dos empreendedores que abrem um negócio por necessidade em favor daqueles que identificam oportunidades de mercado, percentual que atualmente já chega a 71,3%. “O crescimento do empreendedorismo por oportunidade vem junto ao crescimento do sistema de apoio que a sociedade começou a oferecer aos empreendedores em busca de negócio”, aponta.

Aliada a esta mudança, Cozzi destaca a mais recente formação de uma indústria de apoio às pequenas e médias empresas no País, referindo-se à atuação de incubadoras, fundos de venture capital e aceleradoras. “Este crescimento acontece não só pelo amadurecimento da economia brasileira, mas pelo ecossistema favorecendo opor­tunidades de negócio”. O professor José Dornelas destaca o desempenho das incu­badoras, que hoje já chegam a cerca de 400 em atuação no País. Ele aponta também a criação da Sociedade Brasileira para Expor­tação de Software (Softex), em 1990, como um dos fatores essenciais ao desempenho do empreendedorismo na sociedade brasi­leira. Junto ao programa Geração de Novas Empresas de Software, Informação e Serviço (Genesis), o movimento estimulou a criação de startups, que hoje são, pelo menos, 2,8 mil – número de empresas associadas à As­sociação Brasileira de Startups (Abstartups).

Mas, apesar de atualmente o Brasil acompanhar o ritmo mundial, ainda é preci­so melhorar no aspecto da inovação, ressalta Dornelas. “Precisamos trabalhar muito em projetos que tragam benefícios ao País.” A questão é considerada também por outros especialistas um dos maiores desafios do empreendedorismo no País. “Percebemos alguns movimentos de inovação, mas ainda não é algo visível nos indicadores do GEM” avalia Simara Greco, pesquisadora do Insti­tuto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP) que coordena a realização do estudo no Brasil. Em 2013, de acordo com a pesqui­sa, apenas 0,3% dos empreendedores esta­belecidos trabalhavam com produtos consi­derados novos. Entre os empreendedores iniciais a taxa chega a 1,2%.

O professor Afonso Cozzi considera que um dos aspectos que pode ser melhorado para avançar neste sentido é o estímulo à aceleração de startups de tecnologia, que vem crescendo no Brasil nos últimos três anos e, desde o ano passado, conta com dois programas do governo federal na área, o Startup Brasil e o Inovativa Brasil. “Há ne­cessidade de políticas mais institucionaliza­das”, observa Cozzi, que teme o risco destes programas se tornarem sazonais. “Mesmo assim, estas iniciativas estão mudando a his­tória das startups no País. Tenho a impressão de que vão provocar uma política geral mais ampla, que é o que se precisa.”

Segurança jurídica

Luiz Barreto: 4,4 milhões de empreendedores formalizados
Luiz Barreto: 4,4 milhões de empreendedores formalizados

Principal política para o setor atualmente, a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa en­trou em vigor em 2006. A partir da legislação foram implantados benefícios como o Super­Simples, que reduziu a carga tributária em até 40%, e a figura jurídica do Microempreende­dor Individual (MEI), em 2009. “Outra con­quista para os pequenos empreendimentos introduzida pela Lei Geral foi o incentivo à participação das micro e pequenas empresas nas compras governamentais com a criação do tratamento diferenciado a esse segmento  nas licitações até R$ 80 mil e da subcontrata­ção até 30%”, complementa o atual presidente do Sebrae, Luiz Barretto.

O MEI é considerado por Barreto um dos maiores movimentos de formalização do mundo, com cerca de 4,4 milhões de empreendedores formalizados desde que entrou em vigor, muitos deles já à frente de microempresas em expansão (ver Box). “A grande maioria dos microempreen­dedores individuais demonstra interesse em crescer, faturar mais, expandir os negócios”, afirma Barreto, destacando que ao migrar de categoria é possível aumentar o número de funcionários e pagar melhores salários. “Essa ascensão empresarial é muito positiva não somente para esses empreendedores, como para a própria economia do País.”

Em alguns casos, no entanto, o cresci­mento ainda esbarra na dificuldade em obter crédito. Entre os 22,6% de empreendedores individuais que buscaram crédito em 2013, de acordo com pesquisa do Sebrae Nacional, 12,5% conseguiram. Apesar da melhora no percentual – que em 2012 era de 5,2% – os microempreendedores apontam, na mesma pesquisa, o acesso ao crédito como sua maior dificuldade. A questão aparece em primeiro lugar para 21,2% dos entrevistados, seguida por conquistar clientes e vender (13,4%), administrar o negócio (6,7%), concorrência (4,6%) e entender ou cumprir as obrigações legais (3,6%) – os 26,1% restantes afirmaram não ter sentido dificuldade. Uma iniciativa pio­neira em microcrédito é o programa Juro Zero, do Governo de Santa Catarina.

Realizado em parceria com a Associação das Organizações de Microcrédito e Microfinanças de Santa Ca­tarina (Amcred), a Agência de Fomento do Es­tado de Santa Catarina (Badesc) e o Sebrae/SC, o programa disponibiliza empréstimos de até R$ 3 mil. Desde 2011, quando foi lançado, fo­ram atendidos mais de 28 mil MEIs no estado totalizando montante de R$ 80,7 milhões. Em outras regiões, uma alternativa para empreen­dedores que buscam condições especiais de financiamento é o programa Crescer, operado pelo Banco do Brasil, Caixa, Banco da Amazô­nia (Basa) e Banco do Nordeste (BnB). Criada pelo Governo Federal, a linha de crédito dispo­nibiliza de R$ 300 a R$ 15 mil, com taxas de ju­ros reduzidas e parcelamento em até 12 vezes.

Falta ainda uma política mais descentraliza­da para os empreendedores, em relação a este e outros aspectos, na avaliação de Cozzi, que lembra que a baixa procura por crédito pode estar relacionada a fatores como descrença e desinformação. O professor afirma que é necessário disseminar as ações que já são efe­tuadas em âmbito nacional e estadual para ga­rantir que a informação chegue à base da pirâ­mide. “Não temos um sistema de capilaridade que chegue nesse Empreendedor Individual de forma rápida e que ele acredite”. Para isso, seria necessária maior atuação das prefeituras municipais em parceria com as entidades mais próximas à população, como as associações comunitárias. “Nossa colonização é de um sistema muito centralizado, há uma cultura de fortalecimento do sistema federal”, observa.

Outro desafio, apontado por Barreto, é o aprimoramento do SuperSimples e a defini­ção de estratégias para impulsionar o cresci­mento das pequenas e médias empresas. Um estudo com este objetivo está sendo conduzi­do pelo Sebrae em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), uma das iniciativas avaliadas é a implantação de um regime de transição para que o empreendedor mude de faixa de faturamento sem que seja onerado por isso. “Sabemos que atualmente, muitas empresas, quando estão próximas ao teto de faturamen­to, acabam se subdividindo para não saírem do regime simplificado e isso acarreta em pre­juízos para a gestão e para a produtividade da empresa”, explica Barreto.

Fatores econômicos

 “O crescimento do empreendedorismo por oportunidade vem junto ao crescimento do apoio que a sociedade oferece aos empreendedores em busca de negócio”, diz Cozzi
“O crescimento do empreendedorismo por oportunidade vem junto ao crescimento do apoio que a sociedade oferece aos empreendedores em busca de negócio”, diz Cozzi

Também teve parte no desenvolvimento do empreendedorismo a melhoria do am­biente para criação de negócios no Brasil, que se deu a partir de meados da década de 1990. O professor da FGV, André Vidal Pérez, desta­ca, na conjuntura econômica da época, a esta­bilização da economia nacional, a diminuição da burocracia e o aumento da capacidade de investimento dos bancos. “A cada ano, o que vem melhorando é em cima disso”, afirma, destacando também o boom da internet e o ideal de autonomia que caracteriza a geração do milênio, também chamada geração y, nas­cida entre as décadas de 1980 e 1990. “Mais do que nunca, as pessoas passaram a largar o emprego tradicional para se tornarem em­preendedoras. Se tornou muito mais fácil.”

O PIB mundial, atrativo no período, também co­laborou, fator que é lembrado pelo professor Antonio Terassovich, da Fundação Instituto de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universi­dade de São Paulo (FEA/USP). “A conjuntura oscilou bastante, mas a década de 1990 foi uma época de prosperidade e as pequenas e médias empresas puderam aproveitar.”

A entrada da China e dos países do su­doeste asiático no cenário econômico mun­dial foi um dos fatores negativos do período, afetando diretamente a indústria de base brasileira que perdeu muitos setores para a concorrência com os produtos chineses, que se valem de uma força de trabalho de custo praticamente zero. Por outro lado, o gigante asiático se tornou recentemente o maior im­portador de produtos brasileiros e por isso, na avaliação de Terassovich, deve começar a rece­ber a atenção dos empreendedores. “Tem que conhecer o mercado chinês”, aconselha, res­saltando a importância do empreendedor fo­car no mercado que quer para o seu produto.

Os efeitos da conjuntura econômica po­sitiva dos anos 1990 duraram até a década se­guinte e protegeram o País da crise econômi­ca global, em 2008. “Estávamos tão bem que fomos um dos países que menos sofreu”, ob­serva Terassovich. Se, na época, os impactos da crise não se fizeram sentir de imediato no mercado brasileiro, hoje a recomendação dos especialistas é de cautela principalmente para as pequenas e médias empresas. “É um grupo que não tem muita ação sobre a economia.

Para transitar pelo período de crise é preciso enxugar a empresa”, recomenda Terassovich. Na avaliação de Perez, que ressalta também a importância de não misturar as finanças pes­soais e as da empresa, o planejamento é um dos principais fatores para enfrentar o perío­do de recessão econômica que se aproxima. “Quem se preparou, vai conseguir passar bem; quem não, vai ter problema”, adverte.

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