Por Lua Couto, cofundadora da Purpy*
Há uma transformação em curso no mundo dos negócios que vai muito além de relatórios e obrigações regulatórias. A transparência, por muito tempo tratada como um mal necessário, começa a se revelar como uma verdadeira força estratégica. Longe de ser apenas uma exigência da onda de regulações ambientais, sociais e de governança pelo mundo, ela emerge como eixo central de competitividade, inteligência e inovação.
Um estudo recente da Harvard Business Review revelou que apenas 6% das empresas aplicam boas práticas de gestão voltadas à inovação. Em outras palavras, enquanto a maioria ainda opera com modelos de controle ou apenas reação a exigências externas, uma minoria está explorando a transparência como alavanca real de transformação.
O senso comum ainda associa a transparência a riscos. Medo de exposição, de custos extras, de abrir mão de certas zonas de conforto. Mas a realidade é outra: ao mapear emissões, impactos e relações de forma mais clara, as empresas ganham clareza também sobre si mesmas. Descobrem onde estão suas fragilidades, quais processos são ineficientes e que decisões realmente movem a agulha. A transparência, nesse sentido, não é um fim, é um instrumento de reorientação estratégica.
Um exemplo marcante vem das cadeias de suprimento. Tradicionalmente invisíveis, hoje elas ocupam o centro da agenda. É nelas que se concentram as maiores emissões, os maiores riscos e as maiores oportunidades. Sem visibilidade sobre essa rede, qualquer estratégia de sustentabilidade será superficial, quando não inócua. Investir em entender e transformar a cadeia não é mais um diferencial; é pré-requisito para qualquer ambição relevante.
O curioso é que, ao contrário da crença de que transparência engessa ou limita, ela tem mostrado exatamente o oposto: aumenta a eficiência. Empresas que monitoram e assumem compromissos ousados, como neutralidade de carbono, por exemplo, frequentemente descobrem formas mais inteligentes e enxutas de produzir. É nesse processo que o compliance deixa de ser um custo para virar motor de inovação. Não se trata de responder à pressão externa, mas de antecipar movimentos, traduzir dados em decisões e criar valor compartilhado.
Esse novo olhar também implica um deslocamento ético. A lógica da vitrine, mostrar o que se faz de bom para ganhar aplausos, já não é suficiente. O que se espera hoje é mais profundo: saber por que se faz, com quem, e com que impacto. Quando uma empresa se posiciona com clareza sobre suas interdependências — com fornecedores, consumidores, territórios e sistemas naturais — ela constrói uma narrativa mais verdadeira, mais humana e, sobretudo, mais confiável.
É nesse ponto que a transparência se torna também uma linguagem. Uma forma de comunicar, não por slogans ou promessas genéricas, mas por meio de dados, coerência e abertura. Quando há consistência entre discurso e prática, o público percebe. E quando essa consistência é acompanhada por uma linguagem acessível, emocional e compreensível, nasce a confiança. Não aquela construída sobre a perfeição, mas sobre a disposição de aprender, evoluir e convidar os outros a fazer parte dessa jornada.
No fundo, o que está mudando é a noção de valor. Não basta fazer mais. É preciso fazer melhor: com clareza, responsabilidade, adaptabilidade e coragem para mudar. A regulação, nesse novo contexto, não é um obstáculo, mas um espelho. Ao exigir transparência, ela obriga as empresas a se olharem de frente, a reconhecerem suas externalidades e a repensarem o próprio papel no mundo.
Recentemente, participei da Sustainability Week Europe, em Amsterdã, onde essa virada esteve presente em praticamente todas as conversas. Mais do que seguir tendências, as empresas mais bem posicionadas já entenderam que transparência não é sobre se defender. É sobre liderar. Não se trata apenas de mostrar resultados, mas de construir um caminho em que todos — empresas, sociedade e planeta — possam sair ganhando.
A verdadeira força da transparência está aí: em transformar uma exigência em oportunidade. Em deixar de esconder para começar a compreender. Em fazer da coerência o novo nome da estratégia.
*Nascida na Amazônia, Lua Couto é cofundadora da Purpy, consultoria de regeneração. Pesquisadora de narrativas regenerativas há mais de 10 anos e facilitadora, liderou projetos globais como o State of Knowledge Report on Regeneration, na Suíça, e o Regenerative Futures Retreat, na Itália. Atua na curadoria de conhecimento para regeneração e no desenvolvimento de metodologias próprias de criação de futuros. Sua trajetória combina pesquisa aplicada, consultoria estratégica e facilitação de processos em múltiplos continentes.



