A ameaça silenciosa ao varejo: como o boom das bets está tirando bilhões do consumo tradicional

Por Salomão Araújo, VP Comercial da Rakuten Advertising no Brasil*

Nos últimos anos, o varejo brasileiro demonstrou resiliência diante de uma série de desafios, das incertezas macroeconômicas ao impacto da pandemia, passando por mudanças estruturais nos hábitos de consumo e pelo avanço acelerado do digital. Em 2025, no entanto, uma nova variável começa a ganhar relevância nos cálculos do setor: o crescimento vertiginoso do mercado de apostas online, que já movimenta cifras bilionárias e pressiona diretamente o poder de compra das famílias.

Em 2024, o volume transacionado pelas plataformas de apostas online no Brasil chegou a R$ 240 bilhões, segundo a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), o equivalente a quase 1% do PIB. Trata-se de um número expressivo por si só, mas que revela um impacto ainda mais significativo quando contrastado com as perdas estimadas no varejo tradicional.

De acordo com dados compilados por entidades do setor, cerca de R$ 103 bilhões deixaram de circular no comércio formal. Em outras palavras, estamos assistindo a uma transferência silenciosa de recursos do consumo produtivo para um mercado que opera sob outra lógica, e que oferece muito pouco em termos de retorno para a economia real.

O problema não está apenas no volume, mas na natureza desse consumo. O dinheiro gasto com apostas não gera empregos, não movimenta cadeias logísticas, nem retorna ao mercado por meio de reinvestimentos consistentes. Grande parte desses recursos é canalizada para plataformas internacionais, o que agrava a descapitalização do comércio local.

Além disso, esse comportamento de consumo é frequentemente impulsivo, pouco planejado e altamente volátil, comprometendo não apenas a saúde financeira das famílias, mas também a previsibilidade das vendas em diversos setores.

Esse fenômeno tem afetado diretamente o desempenho de supermercados, farmácias, lojas de vestuário, eletrodomésticos e e-commerces. A queda no tíquete médio e no volume transacionado nesses segmentos já é perceptível, com projeções que indicam uma retração de até 11,2% no faturamento anual do varejo, segundo a Confederação Nacional do Comércio. Mais preocupante ainda é o impacto social.

Em 2024, cerca de 1,8 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes em função dos gastos com bets. Em determinadas regiões, estima-se que até 30% das famílias de menor renda estejam comprometendo parte significativa de seus ganhos com apostas, muitas vezes na esperança de um retorno improvável.

Diante desse cenário, o varejo precisa repensar suas estratégias com urgência. A resposta não está apenas em promoções agressivas ou expansão de canais, mas na construção de um relacionamento mais relevante e duradouro com o consumidor.

A inovação torna-se um imperativo. Temos atuado ao lado de grandes marcas para transformar esse desafio em uma oportunidade real de diferenciação. Por meio de campanhas baseadas em dados proprietários e inteligência preditiva, conseguimos ativar ofertas mais personalizadas, entregues no momento certo da jornada de compra. Isso aumenta a relevância e a conversão, ao mesmo tempo em que reduz o desperdício de mídia.

Além disso, o marketing de afiliados funciona como um canal de rastreamento e parcerias, permitindo que as marcas monitorem o desempenho de campanhas enquanto colaboram com parceiros estratégicos para ampliar o alcance e a conversão. Essa abordagem transforma cada interação em uma oportunidade mensurável, conectando investimento a resultados concretos.

Também temos observado o crescimento de estratégias baseadas em afiliação inteligente, com uso intensivo de análise de dados e IA para identificar os canais, influenciadores e parceiros com maior potencial de conversão e ticket médio elevado. Quando essa inteligência se alia a programas de fidelização, benefícios e cashback, conseguimos criar mecanismos concretos de recorrência — algo fundamental para disputar a atenção e o orçamento do consumidor em um ambiente cada vez mais fragmentado e impulsivo.

O avanço das apostas online é uma realidade que não pode ser ignorada, mas também não deve ser encarada como inevitável no que diz respeito ao seu impacto sobre outros setores. O varejo ainda tem protagonismo, musculatura e capilaridade para liderar a construção de uma economia mais saudável, equilibrada e conectada às necessidades reais das pessoas. Mas isso exige adaptação rápida, investimento em tecnologia e, sobretudo, uma nova forma de enxergar o consumidor, menos como alvo e mais como parceiro.

Mais do que nunca, o sucesso do setor dependerá da sua capacidade de entender as dinâmicas de comportamento emergentes e de respondê-las com estratégia, relevância e inteligência, investindo, sobretudo, na diversificação de receitas. O futuro não será de quem oferece mais, mas de quem oferece melhor.

*Salomão Araújo é formado em Comunicação Digital pela Unip e em Negócios e Marketing pelo Australian Pacific College. Nascido no Guarujá, São Paulo, possui MBA em Gestão de Comunicação de Mercado pela Esamc e concluiu cursos de treinamento executivo em Liderança, Gestão e Negociação pela FGV e Gestão Comercial pelo Insper. Atualmente é VP Comercial da Rakuten Advertising no Brasil, rede líder de marketing de afiliados.

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