Cidades médias até agora ignoradas são alvo de corrida para abertura de centros de compras
Cortada por dois rios que dão à cidade um formato de Y, Marabá, no sudeste do Pará, tem 233 mil habitantes, 11 agências bancárias, quatro bons hotéis, 40 farmácias, 15 restaurantes, 5 supermercados, um Mc Donald’s em construção. O prédio mais alto tem dez andares. Casas Bahia, Renner, Marisa, Magazine Luiza, Lojas Americanas… nada disso existe lá. Até pouco tempo, o shopping mais próximo ficava a 500 km, na capital Belém. Mas apesar das poucas opções, Marabá não pode ser subestimada.
Com projetos de siderurgia e de infraestrutura em andamento, a cidade espera receber R$ 7 bilhões só de investimentos privados até 2015, ano em que, segundo estimativas, já terá o dobro da população. Esse cenário fez brilhar os olhos de quem trabalha com shoppings e colocou a cidade paraense no centro de uma disputa entre empresas do segmento – situação que tem se tornado comum em cidades brasileiras de porte médio, com grande potencial de expansão.
Ao chamar a atenção e despertar o apetite de investidores regionais e nacionais, elas acabaram atraindo mais projetos do que são capazes de comportar. É o caso de Lages (SC), Limeira (SP), Várzea Grande (MT), Sinop (MT), Linhares (ES), Blumenau (SC), Três Lagoas (MS), Ananindeua (PA) e Araguaína (TO). Todas têm dois ou mais projetos em andamento. A maioria deles ainda não aparece na lista de lançamentos futuros da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce).
Até agora, por enquanto, tem havido uma "seleção natural". As empresas chegam ao lugar, anunciam suas intenções de erguer um shopping e correm para viabilizá-las: vence quem for mais ágil. Isso significa sair na frente e comprar o melhor terreno, conseguir autorização da Prefeitura, levantar recursos e atrair grandes varejistas, as chamadas "âncoras", antes de seu competidor.
Na maioria dos casos, o shopping ganha site na internet e propaganda em outdoor sem ter alvará de construção ou a garantia de que haverá dinheiro para colocá-lo de pé. O terreno às vezes não chega a ser comprado no início do processo. Pode-se combinar com o proprietário que a área será adquirida quando todo o resto estiver encaminhado. O mesmo acontece com as "âncoras": as redes varejistas que toparem fazer parte do empreendimento se comprometem antecipadamente com o empreendedor.
Corrida
Comparando essa disputa com uma maratona, é como se os investidores corressem até a linha de chegada com um "shopping de papel" debaixo do braço e só levassem o negócio adiante depois de terem certeza de que fizeram o melhor tempo. "Ninguém quer dividir um bolo que não pode ser dividido", diz o diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), Luís Augusto Ildefonso da Silva. "Quem fica para trás, precisa rever seus planos."
Foi o que acabou de acontecer em Marabá. Desde o ano passado, a imprensa local e a prefeitura vêm anunciando a construção de dois empreendimentos na cidade. Um era da paulista Urbia, que recentemente inaugurou um shopping na região, em Parauapebas. O outro é de um empresário local em parceria com a também paulista AD Shopping.
Na semana passada, a Urbia jogou a toalha. A empresa não conseguiu financiamento para execução da obra. "Isso significa que vamos ter de reavaliar nossa estratégia", diz o diretor presidente da empresa, André Agostinho, que estava em Marabá para definir o que fazer com o terreno comprado há dois anos.
Já em obras, o empreendimento da AD Shopping terá 33 mil m² de área bruta locável (ABL), sete lojas âncoras e 170 "satélites", como são chamadas as lojas menores. O projeto também prevê um parque de diversões, uma torre de escritórios e um hotel. "Mapeamos 70 cidades brasileiras durante dois anos e, em cima disso, fomos atrás de alguns negócios", diz Robson Santos, diretor executivo da companhia, com mais de R$ 4,1 bilhões em ativos.
O problema é que o mapa de oportunidades é o mesmo para muitas empresas do setor. "A gente acaba se encontrando por acaso e trombando em terrenos e na prefeitura", conta Agostinho, da Urbia. Derrotado, ele diz que se tivesse esbarrado antes no concorrente, teria proposto uma parceria.
Dois atores têm participação decisiva na definição desse jogo – as prefeituras e as âncoras. Os municípios adotam o discurso de "quanto mais melhor". De olho na geração de empregos e nos investimentos que o empreendimento levará para a cidade, oferecem benefícios fiscais e até terrenos. Em Lages, cidade de 156,7 mil habitantes e dois projetos em andamento, uma das empresas ganhou a área da administração pública.
Empenho municipal
Em Limeira – que, na falta de shoppings até quatro anos atrás, agora terá três empreendimentos – o prefeito determinou a desapropriação do antigo prédio de uma faculdade e o levou à leilão para a construção de um grande centro comercial. "Na verdade, a Prefeitura tem de investir em educação, no social, e não se meter em shopping", diz Silvio Félix da Silva, prefeito da cidade, localizada a 150 quilômetros de São Paulo. "Mas somos um município com 300 mil habitantes e não fazia sentido não ter essa opção aqui. Por isso, atirei para todos os lados."
A cidade já tem um pequeno shopping na região central. O Pateo Limeira começou como uma galeria comercial e foi comprado por um dos sócios da rede mineira de hortifruti Oba! em 2006 – só então ganhou sua primeira âncora e começou a expansão. Com apenas um pavimento de lojas e sem praça de alimentação (interditada em janeiro porque o teto desabou), o shopping tem pouco movimento. "Estamos pagando para trabalhar", diz uma lojista. "Quando inaugurarem os outros dois, ninguém sabe o que vai acontecer com esse aqui.
Aos fins de semana, os limeirenses continuam frequentando os shoppings nas vizinhas Piracicaba e Campinas. "Quando eu quero comer Pizza Hut numa sexta-feira à noite, por exemplo, sou obrigada a sair da cidade e dirigir 40 minutos", conta a pedagoga Renata Gomes. "E eu não sou a única: o estacionamento fica cheio de carros com placa de Limeira". Como ela, a maioria dos moradores quer um empreendimento novo na cidade. Mas dois, avaliam executivos do setor, pode ser um risco. Por enquanto, Vértico e AK Realty, desenvolvedoras dos novos projetos, dizem que não desistirão do negócio.
As redes varejistas, responsáveis muitas vezes por desempatar a disputa, olham para esse cenário com preocupação. "É o mercado que dita a demanda", diz Boris Timoner, diretor de expansão da rede varejista Avenida, âncora que tem concentrado seu crescimento no interior. "Daqui a pouco, começaremos a ter shoppings fantasmas nessas cidades." Duas coisas podem acontecer: as grandes lojas de departamento vão rejeitar um dos empreendimentos e não haverá lojistas regionais suficientes para compor o mix dos centros comerciais. "Isso pode gerar um efeito contrário na economia local, causando prejuízo para pequenos empresários da cidade."
A Renner já adiantou que, em Limeira, não quer ter mais do que uma unidade. "A abertura de outras lojas dependerá de estudos mais aprofundados e avaliação de desempenho da primeira operação", diz Paulo Soares, diretor de operação da companhia.
Para fisgar âncoras como a Renner no interior, empresários de shoppings têm oferecido jantares pomposos aos diretores de expansão das redes e pacotes casados, com espaços mais baratos em empreendimentos de cidades maiores.
Embora o crescimento populacional e de renda no interior do País salte aos olhos em alguns municípios, fazer shoppings nesses lugares exige paciência. Ao contrário do que parece, o sucesso não é instantâneo. "Os moradores são acostumados, por exemplo, a almoçar em casa ou a sair à noite só depois da novela", diz o publicitário Sérgio Molina, especializado em campanhas para shoppings. " O maior desafio é tornar uma ida ao shopping um hábito do interior."