Mercado cultural para público infantil passa por bom momento no Brasil

Músicos consagrados gravando discos infantis, recorde de lançamentos de livros para esse público, festival de cinema especializado, revista direcionada a pais contemporâneos, modernização de personagens clássicos e até mesmo o retorno em grande estilo dos palhaços à moda antiga: cabe tudo no efervescente mercado cultural voltado às crianças no Brasil. A explicação para o fenômeno é a boa fase econômica do país. Muitas famílias estão tendo alguma sobra no orçamento para gastos que em tempos bicudos são considerados supérfluos. Sorte dos pequenos consumidores – e dos artistas que decidiram apostar no nicho.

Uma das estrelas do momento nesse mercado é a banda Pato Fu com seu disco e show “Música de Brinquedo”, em que canções para lá de conhecidas – de “Primavera”, célebre na voz de Tim Maia, a “Live and Let Die”, de Paul McCartney – são executadas com instrumentos de brinquedo ou em miniatura. O álbum recebeu disco de ouro ao completar 50 mil cópias vendidas, resultado que pode ser considerado um grande sucesso no mercado atual, ainda mais considerando-se que foi lançado por selo próprio. Desde a estreia do show, em agosto do ano passado, já foram quase 40 apresentações em teatros de todo o Brasil. O disco rendeu também o DVD “Música de Brinquedo – Ao Vivo”.

A ideia do disco surgiu ainda em 1996, quando a vocalista Fernanda Takai e o marido, o guitarrista e produtor John Ulhoa, compraram um CD da Turma do Snoopy cantando Beatles com arranjos de brinquedo. Só depois que a carreira se consolidou e a filha nasceu, contudo, o casal considerou que era o momento certo de realizar o projeto. Em 2010, o grupo selecionou as músicas que gostaria de ver no disco e deu um jeito de executá-las com os instrumentos infantis.

“Não foi fácil refazer os arranjos com brinquedos desafinados e que não dispunham de todas as notas. Mas acabamos usando essa imperfeição como um trunfo para criar empatia”, diz Fernanda. “Muita gente acabou com o coração derretido de alguma forma, seja pelas lembranças musicais afetivas ou pela oportunidade de ouvir e apresentar a seus filhos esse repertório”, acrescenta.

Ao enveredar pelo mercado infantil, o Pato Fu seguiu uma fórmula de sucesso que havia sido testada por Adriana Calcanhotto ao criar uma persona específica para o mercado infantil, Adriana Partimpim – 275 mil CDs e 400 mil DVDs vendidos –, e pela dupla Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra, cuja turnê do CD “Pequeno Cidadão” vai completar dois anos.

Esses nomes conhecidos do grande público se juntam, assim, a especialistas no metiér, como a Palavra Cantada. A dupla composta por Sandra Peres e Paulo Tatit é reconhecida por produzir uma música ao mesmo tempo instrutiva e lúdica, com um milhão de CDs vendidos em 17 anos de carreira. Tatit assina também a trilha sonora da série de animação “Peixonauta”, com 52 episódios de 11 minutos cada um, voltada a crianças entre 3 e 7 anos, um sucesso de audiência no canal a cabo Discovery Kids.

O Pato Fu fez o show de encerramento da 10a Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, que aconteceu entre 23 de junho e 10 de julho – nos anos anteriores o espetáculo ficou por conta justamente de Arnaldo Antunes e da Palavra Cantada. Na edição deste ano, foram selecionados 77 curtas de todo o país – 50 animações, 24 ficções e três documentários. “O grande objetivo do festival é traduzir a multiplicidade cultural do Brasil”, diz a diretora geral, Luiza Lins.

Decano do mercado infantil, Maurício de Sousa não quer ficar para trás em termos tecnológicos. Cinco décadas depois de criar seus primeiros personagens, Bidu e Franjinha, ele acaba de se associar com o estúdio Digital 21 para criar a Maurício de Sousa Digital Productions. Uma das contratações é o ex-presidente da Disney no Brasil, Marcos Rosset, que já se lançou ao primeiro projeto: um longa-metragem protagonizado pelo dinossauro Horácio. A parceria tem também o objetivo de criar curtas de animação para TV e cinema, além de livros digitais, games e aplicativos para celular.

O mercado editorial também está entusiasmado com o crescimento do segmento infantojuvenil, que no ano passado colocou cerca de 60 milhões de exemplares no mercado –montante equivalente a 15% da produção nacional, ficando atrás apenas dos didáticos e religiosos. “Os preços dos livros caíram e a qualidade dos lançamentos no país melhorou muito nos últimos anos”, analisa a presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Karine Pensa.

Karine sabe bem do que está falando, pois é proprietária de uma editora de livros infantis, a Girassol, e tem dois filhos, de 4 e 8 anos. O número anual de lançamentos da editora desde a fundação, em 2000, passou de 12 coleções para 180 coleções com quatro livros cada um. “Há um número crescente de autores no Brasil vivendo exclusivamente da literatura infantil. Até pouco tempo era uma raridade encontrar um”, diz Karine.

As bancas de revistas também ganharam projetos bem sucedidos voltados ao universo infantil. Um exemplo é a N Magazine, revista voltada a pais “antenados”, que completou um ano. A ideia foi trazida da Espanha pelo jornalista Eduardo Burckhardt, que participou do lançamento da versão espanhola do projeto enquanto estagiava no jornal “El País”, em 2008. O desenho da edição brasileira é feito na Espanha, mas cerca de 80% do conteúdo – fortemente baseado em design, decoração e moda – é nacional.
 

Mesmo quando as reportagens tratam de celebridades, há algum gancho específico e diferenciado. O cantor e apresentador João Gordo falou sobre como a paternidade o fez mudar o estilo de vida e a atriz Ingrid Guimarães relatou suas dificuldades com amamentação. Com tiragem de 20.000 exemplares, a revista está chegando a bancas selecionadas das principais capitais e tem assinantes em todo o país. “No começo imaginamos que o público seriam os pais na faixa dos 30 anos que vivem nos grandes centros, mas ficamos surpresos com uma diversidade bem maior”, diz Burckhardt.

Por mais que as alternativas culturais para as crianças estejam se tornando em muitos aspectos mais sofisticadas, o grande sucesso dos últimos anos, ao menos no que diz respeito a resultados financeiros, não tem nada de inovador: é a dupla de palhaços Patati-Patatá.

O empresário paulistano Rinaldo Hélder Faria, conhecido pelo codinome Rinaldi desde os tempos de mágico juvenil, montou uma equipe de 40 duplas que incorporavam os personagens ao visitar escolas de todo o país. As duplas faziam quatro apresentações diárias e entregavam às crianças CDs e DVDs que eram levados para casa sem compromisso – quem quisesse ficar com os produtos podia pagar no dia seguinte. Muitos pais atendiam ao pedido das crianças, o que transformou a dupla em uma grande vendedora de discos, de acordo com Rinaldi: 1 milhão e meio de exemplares. De olho nesse sucesso, a Som Livre decidiu contratar a dupla, que até então usava gravadora própria. O resultado foi a venda de 320 mil cópias em 2010, maior sucesso do selo no ano.

Muitos dos recrutados para atuar nas duplas trabalhavam como recreadores, mas outros não tinham experiência anterior no mundo artístico. “Eu os treinei pessoalmente sobre o que deviam fazer e não podiam fazer com as crianças”, conta o empresário. Os dois atores que interpretam os palhaços no programa do SBT – que aumentou a audiência média do horário em 71% no primeiro mês – estão na equipe há seis anos, mas suas identidades são mantidas em segredo por força de contrato. “O que importa é a fantasia em torno dos personagens, e não quem os interpreta”, diz Rinaldi.

Hoje, a Rinaldi Produções tem 240 funcionários e um estúdio próprio, com 1.500 metros quadrados de área construída no bairro paulistano da Vila Prudente. Nos últimos meses, a empresa fechou 33 contratos de licenciamento, que resultaram no lançamento de 270 produtos, incluindo brinquedos, roupas, sapatos e alimentos. O empresário, que diante de tudo isso anda sorrindo tanto quanto os próprios Patati e Patatá, só fecha a cara quando ouve críticas sobre a necessidade de direcionar as crianças a produtos mais “intelectuais”. “O mundo das crianças é de fantasia e ingenuidade, e nada representa melhor isso do que o universo dos palhaços. Tirar isso delas significa antecipar o fim da melhor fase da vida, que é a infância”, diz. (Maurício Oliveira/Valor Econômico)
 

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