01|12|2011
Desde criança, muito antes de imaginar que seguiria a profissão, tinha uma ideia mítica e heroica dos arquitetos brasileiros. Era a consequência inevitável da ressonância do projeto de Brasília em todo o mundo, especialmente na Espanha dos anos 60, onde a épica fundação de uma cidade criava grandes expectativas.
Isso influenciou decididamente minha vocação e foi marcante entre os estudantes da Escola de Arquitetura de Madrid, que passavam todo dia em frente da elegantíssima e fascinante abstração da “Casa do Brasil”, na Cidade Universitária, magnífico projeto de Alfonso d´Escragnolle Filho. É fácil imaginar, portanto, o quanto tem sido apaixonante trabalhar no Brasil nos últimos anos.
A presente conjuntura brasileira contrasta com a estagnação da Europa em quase todos os aspectos do progresso e não só em atividade econômica. Contudo, esse Brasil em pleno avanço pode extrair muitas lições dos acertos e, acima de tudo, dos erros cometidos nos anos de crescimento econômico excepcional no Velho Continente e, em particular, na Espanha.
Uma analogia importante refere-se à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016: o aproveitamento de grandes eventos esportivos como oportunidade para empreender profundas transformações urbanas tem sido, junto com a utilização de grandes projetos arquitetônicos, catalisadores icônicos de desenvolvimento e posicionamento das cidades, o núcleo de muitas histórias de sucesso na Espanha desde os Jogos Olímpicos de 1992 e, especialmente, nos últimos anos da bolha imobiliária.
O exemplo de Bilbao, com um projeto para o novo museu Guggenheim, é talvez o mais conhecido quanto à capacidade que pode ter um edifício emblemático para situar uma cidade no mapa e contribuir para a mudança de seu modelo urbano. O mesmo se aplica a Oviedo, com seu novo museu e centro cultural, com a assinatura de Oscar Niemeyer. Entretanto, nem sempre observa-se êxito. São abundantes os casos de desperdício sem retorno e da evidente falta de critério e estratégia.
Na Espanha produziu-se, nesses anos, uma arquitetura brilhante, objeto de atenção internacional, que chegou a merecer uma exposição no MOMA de Nova Iorque. Entretanto, construíram-se também edifícios caríssimos, verdadeiros “fogos de artifício” arquitetônicos, cujos únicos beneficiados foram os políticos e empresários sem verdadeira cultura ou sensibilidade, cuja única motivação tem sido sua projeção pessoal ou lucro. Nada mais longe da verdadeira qualidade arquitetônica.
Acho que o caso positivo mais instrutivo é o de Barcelona e da sua aposta na planificada transformação estratégica e de qualidade. A palavra urbanismo nasceu com o trabalho de Cerdá para a primeira expansão (Eixample) da cidade, onde a insistência na qualidade tem sido promovida e apoiada nas últimas décadas pela administração pública e a sociedade. As escalas dos desafios das cidades brasileiras e de Barcelona são, evidentemente, diferentes e não se deve subestimar a dificuldade de resolver o premente problema da habitação e de serviços urbanos.
Não obstante, acredito que seja um bom momento para defender a qualidade material e conceitual da arquitetura e dourbanismo no Brasil. Sei que a palavra qualidade pode parecer ambígua e difícil de precisar para algo aparentemente subjetivo como a arquitetura e o desenho urbano. Uma comparação com a indústria facilita a compreensão: numa fábrica, não aplicar controles nos processos pode conduzir a defeitos cujos custos derivados são muito superiores aos de um monitoramento adequado. O mesmo vale para cidades e edifícios.
Em algumas conversas com Jaime Lerner – com quem tive o privilégio de trabalhar nos últimos anos, colaborando no projeto para a revitalização do Cais Mauá de Porto Alegre –, ouvi a sua opinião de que a pressa é amiga da perfeição, no sentido de que quanto antes se puder terminar algo, mais rapidamente se poderá corrigir, se necessário. É verdade que muitas vezes a aspiração a um projeto melhor pode converter-se em desculpa para a inação.
No caso do Brasil, acredito ser importante evitar que a pressão da demanda relativa às obras para a Copa do Mundo seja pretexto para projetos medíocres e obras mal construídas. Em 2014, os brasileiros compartilharão com numerosos visitantes estrangeiros partes significativas de seus municípios. Não há muito mais tempo, mas se combinarmos o entusiasmo, a extraordinária capacidade profissional existente no País e a melhor arquitetura, as cidades serão uma grande vitrine para o mundo. Ademais, ficará estabelecido um referencial físico de qualidade urbana para um futuro melhor.
Fermín Vázquez é diretor do b720 Fermín Vázquez Arquitetos, com escritórios no Brasil (São Paulo e Porto Alegre) e na Espanha (Barcelona e Madri).