Uma análise sobre a fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour

Mais uma vez o governo federal dá sinais de falta de planejamento e alinhamento. A controvertida participação do BNDES, e os depoimentos carentes de fundamentação acerca da origem dos recursos utilizados na fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, deram o tom esta semana. Como professor de estratégia, debrucei-me sobre o caso, analisando os fatores motivadores, eventuais consequências para o consumidor e o setor, assim como uma eventual sociedade público-privada.

Duas teorias serão utilizadas para elucidá-lo. Porter e as cinco forças auxiliarão na análise da competitividade e atratividade do setor varejista. Em seguida, Barney e seu modelo denominado como VRIO, verificarão de que maneira a fusão contribuirá na criação de vantagens competitivas sustentáveis para o grupo de Abílio Diniz.

O varejo sempre foi marcado pela competição. As promoções em horário nobre na telinha, os encartes diários em jornais de grande circulação e os outdoors nas cidades que ainda os permitem, corroboram esta afirmação. Apesar das marcas próprias, em geral oferecem os mesmos produtos, cujos preços podem ser facilmente comparados, bastando em muitos casos atravessar a rua. Com a fusão tal tarefa tornar-se-á mais árdua, uma vez que em cidades como São Paulo haverá locais nos quais o novo grupo será literalmente, o dono do pedaço.

Com esta concentração o poder de barganha do consumidor, hoje relativamente alto, poderá ser reduzido de maneira considerável. Imagine uma cidade do interior na qual haja apenas duas redes de supermercados, controladas pela mesma família. Considerando que a mesma não esteja em pé de guerra, qual o interesse em brigarem por preços, diminuindo suas margens?

Apesar da imparcialidade do CADE, órgão do governo responsável por regulamentar as situações de concorrência imperfeita, tais como monopólio, oligopólio e formação de cartéis, o conflito de interesses será evidente, considerando os bilhões investidos pelo banco estatal na sociedade.

Maior e mais forte, o novo grupo elevaria as barreiras a eventuais novos concorrentes, dificultando a entrada em territórios nos quais já esteja presente. Construir uma loja é tarefa relativamente simples. Obter a mesma economia de escala e capilaridade é tarefa um pouco mais árdua. Encontrar centenas de terrenos em locais estratégicos, desapropriá-los e construir em tempo recorde tomará tempo. Carrefour e Pão de Açúcar levaram algumas décadas.

Outra saída seria comprar os concorrentes locais, o que também será praticamente impossível devido à configuração do setor. O novo grupo, caso formado, deterá cerca de 30% do mercado. O atual terceiro colocado, Walmart, possui em torno de 10%. O restante é composto em sua maioria por empresas familiares, as quais apesar de representativas em suas regiões, não possuem o tamanho necessário para fazer frente ao grupo franco-brasileiro.

Fusões buscam eficiência, eficácia e redução de custos. Internamente, processos são revistos, pontos de vendas deficitários fechados, cargos em duplicidade extintos, armazéns consolidados, sistemas, agências e prestadores de serviço unificados. Externamente negociações e contratos revisados, e com o maior poder de barganha, fornecedores pressionados por melhores condições comerciais. Face ao novo gigante, grandes viram médios, médios viram pequenos e pequenos são literalmente esfolados.

Enfim, com as forças de Porter conspirando para um setor menos competitivo e mais atrativo, o gigante criaria uma posição de vantagem competitiva sustentável frente aos concorrentes. Com base na teoria de Barney, a aquisição do Carrefour pode ser considerada valiosa, rara e difícil de imitar. Suas características únicas proporcionariam ao Pão de Açúcar uma economia de escala e liderança difíceis de serem alcançadas.

Abílio foi sagaz ao antecipar cenários futuros. Caso a compra fosse realizada pelo Walmart, a vantagem competitiva passaria ao grupo americano. No caso de um novo entrante, haveria uma paridade competitiva. Entre uma derrota ou um empate, o sócio brasileiro preferiu ir à luta, mesmo contrariando o acordo de acionistas assinado com seu sócio francês.

A pressão pública e o retrocesso do BNDES devem ser comemorados, cuja participação peculiar, incomum, singular, curiosa e no mínimo estranha, seria como a de um Robin Hood às avessas, ou seja, tirando dos pobres para dar aos ricos. Vamos aguardar os próximos capítulos.

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de 15 anos atua como executivo em empresas multinacionais. www.marcosmorita.com.br

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