Freemium: o modelo do Spotify serve para sua empresa?

O que deu certo e o que deu errado na minha empresa e as dicas para você seguir essa estratégia

O modelo freemium foi adotado por várias startups nos últimos anos. Spotify, Dropbox e LinkedIn são algumas das mais conhecidas. Se você é empreendedor, talvez já tenha se perguntado em algum momento se o seu negócio poderia se beneficiar dessa estratégia. No Runrun.it, plataforma que criei ao lado de dois sócios para gerenciar tarefas e projetos, nós adotamos o freemium por um período. Ele nos trouxe benefícios e aprendizados que compartilharei a seguir – mas não foram só alegrias.

O conceito de freemium estabelece que uma empresa ofereça uma versão gratuita de seu serviço como isca para clientes que vão aderir à versão paga. Há quem defenda no mundo do empreendedorismo que o freemium é um modelo de negócio mas, para mim, é na verdade uma poderosa estratégia de marketing. A oferta gratuita do serviço é um investimento que a empresa faz para conquistar clientes. O modelo permite ganhar escala mais rapidamente sem colocar caminhões de dinheiro em marketing ou vendas.

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No Runrun.it, a escolha pelo freemium foi feita porque, inicialmente, queríamos melhorar o nosso produto. Criamos a ferramenta para solucionar problemas que tínhamos vivido na pele trabalhando em outras empresas. A nossa mentalidade, antes de ganhar dinheiro, era criar uma solução. Portanto, precisávamos de empresas usando a plataforma e dando feedback. Claro que há outras empresas que adotam o freemium logo de início como estratégia, com a intenção de popularizar seu produto ou serviço. Nós acabamos sentindo também esse efeito, como eu vou explicar melhor a seguir.

Estratégia de divulgação

Não tenho nenhuma dúvida de que nós colhemos o benefício do freemium. Nossa marca se popularizou rapidamente. Esse efeito tem maior escala em negócios B2C, mas mesmo sendo um negócio B2B, muita gente conhece o Runrun.it e tem uma opinião sobre ele. Esse resultado é absolutamente desproporcional ao investimento pequeno que fizemos em mídia. Ter muitas pessoas usando o produto e falando bem da sua empresa no mercado é um ativo muito valioso. Também é possível multiplicar essa divulgação exigindo, na hora do cadastro para utilização gratuita, algo como um social payment: um aviso no Facebook de que aquele usuário está testando seu produto ou o e-mail de outras três pessoas para divulgação.

O zero é uma âncora muito forte

Enfim, você consegue construir uma base interessante de usuários. As dificuldades começam quando você precisa convencer pessoas que chegaram até sua empresa por um anúncio de gratuidade a tirarem dinheiro do bolso. O zero é uma âncora muito forte: é difícil tirar o usuário de lá. Vejo pessoas que usam o Dropbox, por exemplo, abrirem várias contas de e-mail para usar o espaço disponibilizado de graça. No Runrun.it isso também aconteceu, inclusive com clientes que faturavam centenas de milhões de reais. As empresas faziam várias contas gratuitas para continuar usando a plataforma sem pagar. Quando você atrai um usuário cujo principal interesse é não pagar, fica difícil estabelecer um contato e convencê-lo sobre os benefícios da versão mais cara.

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Os benefícios da versão paga precisam gerar interesse e ser muito bem explicados

Ao adotar um modelo freemium, a empresa precisa equilibrar muito bem o que oferece como isca e o que oferece como benefícios quando há o upgrade para a versão paga. É preciso oferecer algum valor para incentivar o uso daquilo que é gratuito e mais valor ainda para realizar a venda. O seu produto não pode ser como uma amostra grátis de perfume, que várias unidades gratuitas equivalem a uma inteira. É preciso ter um diferencial que gere interesse na versão paga.

Há duas possibilidades aqui: você pode oferecer um benefício a mais em cima do mesmo produto (como a possibilidade de evitar os anúncios no Spotify) ou você pode dar acesso a serviços complementares (como faz a norteamericana Zenefits, uma plataforma de RH para pequenas e médias empresas, que ganha dinheiro com serviços acessórios, como seguros e planos de saúde). A comunicação do que está no pacote premium é essencial. O que vimos no Runrun.it foram algumas situações perde-perde porque a empresa que estava usando a versão gratuita achava que a plataforma era incompleta, sem entender que os benefícios e diferenciais estavam na versão paga. Então, na verdade, a impressão que o cliente tinha do produto não incluía o melhor que nós tínhamos para oferecer.

O ciclo de vendas é complicado

Ao longo do tempo, começamos a perceber que a estratégia estava tornando a rotina do comercial muito complicada. Todos os dias, alguma empresa gigante fazia uma conta na nossa plataforma, mas eram contas que nunca faziam o upgrade para o serviço pago. Chegou a um momento em que vimos que tínhamos centenas de leads quentes (pessoas ou empresas que demonstraram muito interesse por nossos produtos), mas, como não havia uma pressão para a tomada de decisão, o cliente podia postergar indefinidamente a adesão ao plano pago. Para o vendedor, fica difícil saber quem realmente tem interesse em fechar negócio e ele acaba sendo inconveniente se insistir demais.

Inicialmente, mudamos nossa abordagem. Deixávamos alguns clientes andarem sozinhos, para outros ligávamos quando atingiam certo grau de utilização e para empresas muito grandes ligávamos no dia do cadastro, para nos adaptarmos melhor às suas necessidades. Assim, começamos a analisar o comportamento dos clientes. Observamos um padrão: as contas que fazem o upgrade geralmente tinham X acessos, Y tarefas e Z projetos. Aí, criamos um padrão para saber quando era hora de ligar. A conversão era razoável, mas muito trabalhosa. Toda ligação parecia ser um atrito ao mindset que havíamos criado.

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O freemium funcionou como estratégia para que o Runrun.it ficasse mais conhecido e para que pudéssemos entender melhor as demandas dos clientes, mas convencer os usuários que não pagavam nada pelo serviço a desembolsar dinheiro era difícil. Foi quando decidimos encerrar o modelo freemium e iniciar um modelo de trial (teste) com tempo limitado. Isso transformou o time de vendas! Todos os dias eles têm um número definido de testes vencendo e aí ou o cliente fecha o negócio ou deixará de usar a ferramenta.

Piorar o produto estimula a compra?

No caso do Spotify, inicialmente eles deixaram muitos serviços liberados de graça. As pessoas se acostumaram com estes recursos, que depois foram restringidos, e por isso algumas decidiram começar a pagar. Mas eu não acredito que essa seja uma boa prática. Esse modelo não deixa de ser um trial disfarçado. A pessoa usou, gostou e agora tem que pagar. Só que ela não foi avisada disso antes, não se planejou e tem todo o direito de se sentir traída pela marca. No Runrun.it, optamos por manter os planos free como free mesmo – com todas as funcionalidades que ela tinha quando contratou. Para estimular a migração para o pago, passamos a oferecer novas funcionalidades exclusivas dos planos pagos, como app mobile, templates de projeto e regras avançadas de tarefas. Mas se o produto antigo (gratuito) ainda atende ao cliente, seu uso está liberado. Afinal, esse era o combinado. Ou seja, minha opinião e a dos meus sócios é que é melhor “melhorar o que o não tem” do que “piorar o que ele já tem”.

Para quem funciona, afinal?

Não tem uma receita de bolo, mas hoje enxergo quatro pré-requisitos para que o freemium dê certo na sua empresa:

– O cliente tem que perceber valor no seu produto muito rapidamente, gerando um interesse genuíno;

– A decisão da compra deve, de preferência, depender de uma única pessoa. No caso das grandes empresas para as quais oferecíamos o Runrun.it, muitas deixavam de fazer o upgrade porque era uma decisão que envolvia também alguém do financeiro, alguém da TI, e o assunto acabava não sendo conversado. No caso de empresas B2B, o freemium funciona bem para VSB (very small business, profissionais autônomos etc) e vai perdendo eficiência com o aumento do tamanho da empresa até ser quase inútil em caso de grandes corporações. Um grande banco não vai se emocionar porque é grátis, mas sim porque resolve um problema que precisa ser resolvido e é compatível com as tecnologias e padrões de segurança que ele usa.

– O ticket tem que ser baixo. Minha percepção é que o freemium consegue monetizar um produto se a taxa adicional para ter acesso a novos serviços ou a um serviço mais completo custar menos de R$ 50,

– O custo de oferecer seu produto ou serviço de graça deve ser baixo. Usando o caso do Spotify, se ele atende bem aos outros três requisitos, é nesse que escorrega. Oferecer streaming de áudio é caro e talvez não seja sustentável ao longo do tempo. Tanto assim que já vemos um movimento do serviço para tornar o freemium mais inconveniente, aumentando a frequência das propagandas, por exemplo.

Conteúdo originalmente postado em Endeavor

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