O eclipse do capital

Caro leitor, responda-me: o que você acha mais importante para o êxi­to do seu negócio? (I) O capital? (II) O trabalho? (III) A sorte? (IV) Todas as respostas anteriores. Vou lhe dar a mi­nha resposta: se esta pergunta fizesse parte de uma prova que eu tivesse que passar, eu não hesitaria em assinalar o item (IV). Afinal, todos nós sabemos que, além de outros atributos, esses três são necessários ao sucesso de qualquer negócio. No entanto, se precisássemos aprofundar e quantificar a proporção da importância de cada um dos itens sepa­radamente, a pergunta teria que ser feita de maneira diferente. Ou seja, de forma que não deixasse margem a uma esco­lha de senso comum, mas que provo­casse um enfrentamento íntimo do tipo “hora da verdade”. Foi exatamente isto que fizemos.

Na última Feira do Empre­endedor, promovida pelo Sebrae, que ocorreu em julho na cidade de Florianó­polis (SC), e por onde circularam mais de 14 mil empreendedores e potenciais empresários, formatamos uma pesquisa para descobrir o modelo mental dos em­preendedores da micro e pequena em­presa. Forçamos o entrevistado a fazer uma escolha do tipo zero ou um. Nosso objetivo era descobrir a percepção da importância do capital e do trabalho dos empresários da micro e pequena empre­sa no êxito de seus negócios.

Como se pode ver no gráfico, as respos­tas deixam transparecer, de maneira evidente, que nossos empreendedores, predominan­temente, enxergam seus empreendimentos como um meio de sustentação. Como uma opção ao emprego. Não percebem a empre­sa que montam como a melhor opção de investimento, entre outras opções possíveis, para a sua reserva financeira, por menor que seja. Não empreendem com olhos de investi­dores. Isso tem consequências profundas. Se o pano de fundo mental daquele que empre­ende é o trabalho, sua preocupação central é com o salário que tem que ganhar para sus­tentar a si e a sua família. Por isso, para ele, é natural “meter a mão no baleiro” (o caixa da empresa). Como também é natural misturar as contas de pessoa física com as da pessoa jurídica. Como iniciou com deficiência de capital (como vamos ver em outra pergunta da pesquisa) é comum ter déficit recorrente de capital de giro. Para ele, também não tem significado perder tempo com controles. Seu foco é “matar um leão por dia”.

Por outro lado, quando o pano de fun­do mental é o capital investido, a adoção de boas práticas de gestão é imperativo, pois as mesmas foram desenvolvidas para dar infor­mações ao investidor (o dono do capital). Por exemplo, se o investidor quer saber (e ele sempre quer saber) se a operação do negócio é lucrativa, neste caso, precisa ser desenvol­vida a ferramenta chamada DRE (demons­trativo de resultados). Para isso, é necessário registrar todos os dias as operações ocorridas na empresa. Da mesma maneira é necessário definir e respeitar um pró-labore (salário de dono de empresa), caso contrário, o DRE não funciona. O fluxo de caixa foi criado para informar ao investidor a necessidade de quando injetar mais investimentos ou quan­do vai ter reservas financeiras. Outro aspecto importante, é que o investidor sempre quer o retorno do dinheiro investido e multiplicado o mais rápido possível. Isto tem como con­sequência que a ambição para crescer conti­nuamente seja vista como uma virtude. Em termos definitivos, quando se olha a empresa com olhos de investidor aprende-se a tocá-la da maneira certa.

O que está na mente do empreendedor, se reflete no comportamento do dia a dia de sua empresa. Vejam os resultados desta outra pergunta da pesquisa.Vê-se pelas res­postas que a maioria abre com capital pró­ximo a zero ou somente com o suficiente para a empresa começar a operar. Isso está coerente com o modelo mental daqueles que responderam que o mais importante para o sucesso do negócio era o trabalho. Também está de acordo com o que se vê no dia a dia de nossos atendimentos quando os empresários nos dizem que trabalham como um louco e não veem a cor do dinheiro. Na maior parte das vezes, nosso diagnóstico mostra que eles não têm capital para investir nas duas funções críticas para o êxito de todo negócio: a comercialização e a comunicação (publicidade, promoção, etc.).

No entanto, mais dramático do que a ausência de um capital efetivo, necessário e suficiente para tocar o negócio, é o eclipse mental do capital.

Acompanhe o caso da Márcia, uma em­preendedora de modos contidos, fala mansa e alma de artista. Está há dois anos no mer­cado de pedras de prata. Investiu R$ 200 mil, fruto da venda de um apartamento. Tem dois funcionários e uma gerente de designer. Faz peças encantadoras. Mas as vendas são insuficientes para cobrir os custos. Quando nos procurou, seu fluxo de caixa mostrava vendas acumuladas no ano de R$ 17 mil, despesas de R$ 142 mil e prejuízo acumula­do de R$ 125 mil. Ela ficou chocada com o relatório que preparamos com olhos de in­vestidor e no qual recomendamos a suspen­são imediata da operação para ser revista. Estas informações foram passadas pela em­preendedora, ou seja, todos os dias e todos os meses ela tinha acesso a esta situação. No entanto, o pano de fundo mental de trabalho de artista criava um eclipse mental de capital, que a impedia de ver a realidade de forma pragmática como veria um empresário “com espírito investidor”.

A pesquisa revela que é mais grave do que imaginamos o pano de fundo mental daquele que empreende. É necessário, pois, prestar atenção a isto. Pense diferente. Pense grande. Pense como capitalista.

www.metododopresidente.com.br

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