Subempreendedorismo cultural de 1%

Sabemos que não existe negócio certo, pois mesmo que o empreendedor domine sua atividade empreendedora (33% de êxito), domine a linguagem empresarial (33% de êxito) e tenha o capital necessário e suficiente (33% de êxito), ainda assim existe 1% atribuído àquilo que é aleatório e depende da sorte ou azar.

Mas também sabemos, por experiência, que existe a ilusão da mágica do empreen­dedorismo. Hoje mesmo, no dia em que escrevo este artigo, atendi um cliente jovem e inte­ligente, formado em contabilidade, desem­pregado, pois pediu demissão do escritório no qual trabalhava, porque via o tempo passar eternamente sem que a empresa crescesse e menos ainda os empregados. Sentou-se a minha frente e disse que que­ria abrir um negócio por conta própria, mas não tinha a menor ideia do que queria em­preender, talvez comprar uma franquia ou desenvolver algo por conta.

Perguntei a ele qual era sua motivação para empreender e ele respondeu que não queria mais trabalhar para ninguém. Desejava ser dono de seu próprio nariz. Além do mais, disse, modéstia à parte, se achava inteligente, tinha tempo sobrando, pois era sozinho, não tinha namo­rada, não tinha vida social e assim podia se dedicar totalmente ao negócio. Era só eu di­zer qual o negócio que ele deveria abrir que a vida financeira dele estaria resolvida. Esta era a sua ilusão.

Fiz com ele um pequeno teste. Pedi que respondesse qual seria o próximo número da seguinte série de números: 1, 3, 5, 7, 9, XX. Ele prontamente respondeu (acertada­mente) que o próximo número seria 11. Na sequência pedi a resposta para esta outra série de números: 1, 3, 9, 27, 81, XX. Ele pensou, pensou, revirou os olhos, pensou de novo, desistiu de responder e perguntou sorrindo qual era a razão do teste.

Então revelei a ele as respostas de uma pesquisa internacional que incluía a seguin­te pergunta: “você acha que está preparado para tocar um negócio por conta própria?” Em países de economia intermediária como o Brasil, a maioria dos entrevistados respon­deu afirmativamente à pergunta, dizendo-se preparado. Em países de economia avança­da, como Japão e Estados Unidos, a resposta se inverteu, dizendo-se despreparados para tal empreendimento. Isto significa que os empreendedores de cá não enxergam o alto grau de complexidade que existe num empreendimento como enxergam os em­preendedores de lá. A percepção dos em­preendedores brasileiros é semelhante à se­quência simples de progressão aritmética da primeira série de números, enquanto que a percepção (correta) das pessoas dos países desenvolvidos é semelhante à sequência de progressão geométrica da segunda série de números.

Na verdade, a maioria dos nossos em­preendedores entende daquilo que faz como entenderia um empregado. Entende de cozinhar (chef), de costurar, de língua estrangeira, de contabilidade, por exemplo. Mas não entende do negócio em si, como, por exemplo, atrair clientes, como se ganha dinheiro naquele setor, como vender, como criar relações, como criar vantagem via pro­dutividade, como liderar e motivar equipes, como enfrentar e superar a concorrência e assim por diante. Nesta altura de nossa con­versa, o cliente jovem e inteligente disse que neste quesito ‘dominar a atividade empreen­dedora’ o seu percentual de êxito era zero.

Então avançamos no quesito ‘domínio da linguagem empresarial’ e criei para ele a seguinte imagem: se ele estivesse no meio da selva amazônica e recebesse somente informações sobre o faturamento de sua empresa, se ele seria capaz de tomar alguma decisão. Respondeu (acertadamente) que provavelmente não. E se tivesse informa­ções sobre salários pagos, receitas, aluguel, custos da mercadoria, contas a pagar, contas a receber, tributos, custos de entrega, pró-labore, se ele seria capaz de calcular a mar­gem de contribuição, o lucro operacional, o lucro líquido, a rentabilidade e o retorno do investimento, e a partir destes indicadores tomar decisões para garantir o crescimento lucrativo da empresa. Ele sem pestanejar me mandou colocar também 0% de êxito no item ‘domínio da linguagem empresarial’.

Avançamos um pouco mais e perguntei quanto tinha de capital inicial para investir. Pouco, muito pouco, respondeu. Informei a ele que o capital deveria ser a soma de dois tipos de investimentos. Investimento direto para as instalações (incluindo o pré-operacio­nal, isto é, reformas) e investimento de capi­tal de giro constituído de nove vezes o valor mensal do custo fixo. Ele não titubeou muito e pediu para eu cravar mais um zero, agora, no item ‘capital necessário e suficiente’.

O jovem inteligente e solitário caiu em si e percebeu que iria para o mercado com 1% de chances de êxito! Isto é incrível disse ele, com o semblante de quem levou um choque. E eu disse: você não é exceção. Sua situação é idêntica a boa parte dos em­preendedores brasileiros, que usam o em­preendedorismo como um substituto do emprego, o que é um grande equívoco, pois o empreendedorismo é um instrumento do capital, de investimentos que são realizados e requerem o retorno do dinheiro investido, multiplicado, o mais rápido possível.

E mais, disse eu: assim como acontece na micro economia também ocorre na ma­cro economia. O Brasil historicamente tem uma taxa de investimento que é menor que 20% do PIB, ao passo que países em cresci­mento, como Coreia do Sul e China, estão num patamar de 35 a 40%.

Tudo isto somado e considerando que as micro e pequenas empresas são 99% das empresas brasileiras e que respondem por 20% do PIB fica claro que somos uma nação que tem uma cultura de subempre­endedorismo. Talvez isto ajude a explicar o crescimento de nosso país na casa próxima de 1%.

Está na hora de começarmos a aprender a pensar grande. Conhecimento grande, investimento grande e empreendedorismo pleno.

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