Um inimigo dentro da concorrência

Um executivo pede demissão ou é dispensado de uma empresa e, pouco tempo depois, está trabalhando para a concorrência. Essa é uma trajetória normal no mercado de trabalho. A empresa que contrata o executivo quer beneficiar-se de sua expertise, de seus conhecimentos e de sua experiência acumulados em empregos anteriores, muitas vezes em empresas concorrentes. Do ponto de vista do executivo, os benefícios também são óbvios.

Essas mudanças, apesar de corriqueiras, podem trazer problemas para o executivo e o antigo empregador quando em estão em jogo segredos industriais e empresariais e planos estratégicos. Afinal, o que o profissional pode “levar” para a empresa concorrente?

Trata-se de uma questão complexa, objeto de leis que protegem a propriedade intelectual, de códigos de ética e de conduta. No entanto, mesmo as legislações mais avançadas possuem zonas cinzentas, conceitos imprecisos ou abrangentes, o que torna difícil estabelecer com precisão o que é permitido e o que é intolerável.

As empresas têm uma série de recursos para impedir que suas “invenções” sejam copiadas, como o registro de patentes. Outros recursos são chamados os acordos de confidencialidade e de não concorrência que os executivos são obrigados a assinar e os impedem de revelar ou usar os segredos de uma empresa quando estiver em outra colocação.

A imposição de quarentena é o recurso mais usual para impedir que o executivo vá para o concorrente logo após se desligar da empresa. Essa quarentena pode durar até anos, período em que a empresa paga um bônus ou uma espécie de indenização para o profissional ficar sem trabalhar ou evitar que vá bater na porta do concorrente.

Essas cláusulas de concorrência não são contempladas pela Consolidação das Leis do Trabalho brasileira, mas é considerada válida pela Justiça trabalhista, que às vezes se declara incompetente para julgar algumas formas de acordo entre as partes.

Mas esses acordos e recursos legais não são suficientes para proteger integralmente os interesses das empresas. Não há como impedir que um executivo, ao mudar-se de mala e cuia para o concorrente, não só use os conhecimentos e know how que acumulou nos empregos anteriores, como aplique métodos, processos e estratégias adotados em empresas pela qual passou.

Em outros países sempre foi acirrada a discussão se processos, planos e sistemas devem ser protegidos pelas leis de propriedade intelectual. Nos Estados Unidos, as patentes de métodos de negócios não eram concedidas quando o método de negócio era entendido simplesmente como uma idéia ou um processo abstrato. No entanto, a situação mudou depois que a Suprema Corte analisou a patente de um método de cálculo do valor de ativo de fundos mútuos e decidiu que as leis de patentes protegem qualquer método, esteja ele baseado ou não em computador, desde que produza resultado útil, concreto e tangível.

Como se vê, a questão é extremamente complexa e também envolve aspectos éticos, que às vezes resvalam para o campo da subjetividade.Em termos mais práticos, é certo que os executivos não podem levar documentos sigilosos e planos estratégicos da empresa em que trabalhou. Isso é roubo, é crime. Pode levar consigo a carteira de clientes que construiu ao logo de sua vida?

Em muitos casos, sim, mas vai depender das implicações éticas e da forma com que trabalhar com esse ferramental. O executivo pode, por exemplo, comunicar a seus clientes que está saindo da empresa e seu destino. O que não pode é tentar levar esse cliente para a outra empresa falando mal de seu antigo empregador. Mas voltaremos a tratar de outros aspectos desse tema.

Marcelo Mariaca é presidente do Conselho de Sócios da Mariaca e professor da Brazilian Business School.

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