Cervejas especiais conquistam brasileiros e estimulam produção nacional

por Mariana Rosa (mariana@empreendedor.com.br)

O sobrenome Bierbaum, cuja tradução para português é “árvore de cerveja”, deu origem a uma marca que ilustra a trajetória das microcervejarias no Brasil. O negócio começou há 10 anos com uma produção de 1,5 mil litros de chopp por mês para o restau­rante Edelweiss, fundado na década de 1990 pela família austríaca que fixou residência na região Oeste de Santa Catarina, em Treze Tílias – conhecida como o Tirol Brasileiro.

Em 2008, em uma fábrica anexa ao estabe­lecimento, passaram a produzir cervejas es­peciais, que seguem a Escola Alemã e, como as demais bebidas do tipo, se diferenciam das comerciais por não utilizar aditivos que barateiam a produção, como milho e arroz. “Diziam-nos: vocês são loucos de não vender outras cervejas”, conta Markus Bierbaum, que administra a cervejaria junto aos irmãos, sobre a reação inicial dos clientes ao produto exclusivo. Nos últimos anos, o negócio tem crescido em média 18%, chegando de 70 a 80 mil litros vendidos por mês. A marca, que possui 10 rótulos, acumulou 29 premiações nos últimos quatro anos e, além da região, já é distribuída em Curitiba, Porto Alegre, Brasí­lia, Belo Horizonte, Vitória e São Paulo.

Desde 2009, o número de estabeleci­mentos ligados à produção de cerveja ou chopp registrados no Ministério da Agri­cultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) triplicou. Segundo o órgão, até o final do mês passado os registros totalizavam 629. Levantamentos mais específicos indicam que negócios como os dos irmãos Bierbaum ganham cada vez mais espaço. Em 2012, o ni­cho correspondia a 8% do volume de cerve­jas produzidas no País, chegando a 10% em 2013, segundo a Euromonitor International. A estimativa do instituto é que nos próximos seis anos este percentual dobre, chegando a 20%. Um dos motivos do aquecimento do mercado das cervejas especiais, segundo a consultoria especializada Brand Beer, é o aumento do poder aquisitivo com a as­censão da classe C nos últimos anos.

“Os últimos seis anos foram os mais expressivos”, avalia a sommelier Tatiana Spogis, da importadora Bier & Wein, que começou no ramo em 1993 e, até 2001, atuava de forma praticamente exclusiva no País. Tatiana destaca que o contrato com a cerveja de trigo alemã Er­dinger, em 2001, foi um divisor de águas para o crescimento do negó­cio que hoje está na marca de 20% ao ano. “Com o tempo, o público começa a se in­formar mais. É um trabalho de formiguinha”, diz sobre o aumento da demanda por bebidas do tipo. Hoje a Bier & Wein distribui para todo o País e conta com quatro pontos de revenda na região Sudeste: em São Paulo, São Caetano do Sul (SP), Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A distribuição dos produtos deve ser intensi­ficada a partir deste ano com a formatação de franquias da marca própria da impor­tadora, a cerveja Paulistânia (ver box).

Ainda assim, muitos empreende­dores enfrentam dificuldades para se colocar no mercado, devido sobretudo à carga tributária que tem previsão de aumentar em setembro deste ano, e cos­tumam vender menos do que a sua capaci­dade de produção. Apesar de alguns estados, como no caso da região Sul, contarem com leis próprias para benefícios, nacionalmente a questão é um problema. “Não existe diferença de tributação entre as microcervejarias e os grandes grupos comerciais”, reclama Markus Bierbaum.

Os microcervejeiros tinham a ex­pectativa de serem incluídos no Simples Na­cional, mas, em maio, a proposta de emenda sobre a inclusão foi vetada pela Câmara dos Deputados. “Hoje o microcervejeiro vive o dilema de optar por crescer ou não”, afirma o proprietário da marca gaúcha Coruja, Micael Eckert, a respeito dos custos para manter o negócio. Atualmente crescendo 30% ao ano, a saída para melhorar a atuação da marca sem descaracterizar o negócio como, por exemplo, a fusão com um grande grupo, foi fazer uma parceria com outra microcervejaria. Desde 2010, a cerveja Coruja é fabricada no estado vi­zinho pela Cervejaria Santa Catarina, proprie­tária do rótulo Saint Bier, e atinge uma produ­ção mensal cinco vezes maior do que antes.

Cultura cervejeira

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Além do crescimento das microcerve­jarias, um dos reflexos do aquecimento do mercado é a procura por formação na área. Oficinas e clubes de degustação cada vez mais fazem parte da gama de serviços das cer­vejarias artesanais, mas, por si só, os cursos se tornam uma oportunidade de negócio rentá­vel. É o que mostra a experiência do Instituto Brasileiro da Cerveja, fundado em 2010 por três ex-colaboradores do Grupo Schincariol – o químico Alfredo Ferreira, o gerente de marketing Estácio Rodrigues e a engenheira de alimentos Kathia Zanatta.

A escola oferece cursos introdutórios, profissionalizantes e es­pecializações para a formação de Sommeliers de Cervejas e Mestres-Cervejeiros, pelo custo de R$ 750 a R$ 2,6 mil, de acordo com a car­ga horária (80 horas nas modalidades avan­çadas). Com média de 20 turmas por ano, o faturamento chegou a R$ 900 mil em 2013. Além da sede, recém-inaugurada em São Pau­lo, esporadicamente são oferecidas turmas em Blumenau (SC), Curitiba e Porto Alegre.

A expectativa até o final de 2014 é chegar a R$ 1,2 milhão com o lançamento de novas especializações. Entre elas, o curso de On e Off Flavours, treinamento para identificar os odores que sinalizam eventuais defeitos de uma cerveja. O curso profissionalizante em Sommelier de Cervejas é hoje o mais procu­rado e costuma ter de 200 a 300 pessoas na lista de espera. Apesar da alta procura, o Insti­tuto segue a lógica das microcervejarias quan­do a questão é expansão. “Poderíamos ter expandido muito nossos cursos, mas talvez a qualidade não fosse o que é hoje”, afirma

A marca trabalha com mais de 400 rótulos, entre nacionais e importados, e também com souvenirs cervejeiros que cor­respondem a 12% do faturamento. O ticket médio das bebidas é de R$ 70 por unidade, valor que pode assustar o público habituado à cerveja comercial, na faixa de R$ 8. Para o idealizador da marca, a informação sobre a qualidade do produto é a solução para o mercado das cervejas especiais crescer ain­da mais e se popularizar. “Tem que educar”, afirma Wolff, que, em 2005, largou a carreira de designer para se dedicar exclusivamente à divulgação da cultura cervejeira por meio do site MestreCervejeiro.com, o primeiro do tipo a ser registrado no Brasil. Além de oportunizar seu negócio, a plataforma é hoje uma porta de entrada para parcerias. “Quem procura a franquia já nos segue nas redes sociais e no site, que tem mais de 100 mil usuários. Sabe quem é o Mestre-Cerve­jeiro e é amante de cerveja especial.”

Ter gosto por cerveja é condição priori­tária para outras redes, como a Bier & Wein que começa, este ano, a expansão da loja Confraria Paulistânia, após um ano de opera­ção da loja piloto. “Mais que especialista, pro­curamos o perfil correto. Tem que gostar de cerveja, o treinamento nós damos”, afirma o proprietário Marcelo Stein. A franquia é des­dobrada em duas modalidades: distribuido­ra das marcas representadas e loja-bar, com cardápio gastronômico voltado a harmoni­zações com cerveja. O investimento inicial é de R$ 300 mil para a distribuidora e de R$ 480 mil a R$ 700 mil para a loja-bar Confraria Paulistânia, que futuramente será formatada também na opção de quiosque de shopping.

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Da mesma forma, os entusiastas aque­cem o mercado de insumos. Além dos in­gredientes – como malte, açúcar, fermento, lúpulo etc. – ganha cada vez mais espaço a venda de kits para produção caseira de cerve­ja. Com esta aposta, a loja Lamas Brew Shop tem crescido 100% ao ano desde que come­çou a operar, em 2011. “Inicialmente nosso foco era atender ao nicho dentro do nicho: cervejeiros avançados no hobby que não con­seguiam achar produtos e equipamentos”, conta Alessandro Morais, que fundou a em­presa em Campinas (SP) junto com um gru­po de amigos cervejeiros, auto denominados “Os Lamas”, para trazer ao Brasil artigos antes só encontrados no exterior. Com alta procura de outras regiões do País, após alguns meses de funcionamento o negócio foi reformulado para atender também via e-commerce, estra­tégia que dobrou o faturamento inicial de R$ 60 mil para R$ 130 mil.

Desde 2012, a loja fornece também insu­mos para microcervejarias. “O Brasil produz apenas um tipo de malte em grande escala”, afirma Morais, que ampliou a proposta do ne­gócio para importar ingredientes em grande quantidade e, assim, tornar os produtos mais acessíveis aos cervejeiros caseiros – público principal da loja, responsável por 85% do total faturado. “Se importássemos em pe­quenas quantidades, o malte ficaria muito caro para o cervejeiro caseiro. Visualizamos um novo canal de venda e que viabilizaria o atendimento.”

Em 2013, já contando com a sua segunda unidade, em São Paulo, a marca chegou a R$ 2,4 mi­lhões de faturamento – mais que o dobro do ano anterior, o segundo de operação. “Mantivemos o inves­timento na operação da loja física porque era justamente o que não tinha no Brasil”, afirma Morais. Este mês, a Lamas Brew Shop inaugura sua terceira loja, em Belo Horizon­te. A estimativa é que, em 2015, sejam abertas outras duas via sociedade, no Rio de Janeiro e em Vitória. Além da expansão física, a rede planeja incrementar o catálogo, atuamente com mais de 1,1 mil produtos. E, atualmen­te, começam a investir em uma parceria para oferecer as panelas individuais para fabrica­ção de cerveja em aço inox a partir de 2016.

Em pleno crescimento, o nicho das cer­vejas especiais pode gerar mais frutos no fu­turo. O mestre-cervejeiro catarinense Paulo Boz estima que, em longo prazo, teremos outros reflexos, como a formação de uma cultura cervejeira própria no País, que já dá seus sinais com marcas como a premiada Bodebrown, de Curitiba, que deixa de lado as regras das escolas tradicionais para apostar na diversidade de aromas e sabores usando ingredientes como o cacau. “Há cerca de 15 anos, falava-se apenas em cervejas comerciais no Brasil.

Hoje cada microcervejaria costuma seguir uma escola, como Estados Unidos, Bélgica ou Alemanha, mas, em alguns anos, teremos uma escola própria”, avalia Boz que teve experiência com cervejaria artesanal na Eisenbahn – atualmente pertencente à Brasil Kirin (braço da Kirin Holdings Company, do Japão) – e se prepara para lançar sua fabrica­ção própria de cervejas especiais em 2015.

Expansão via franchise

As cervejas especiais também mar­cam presença no franchising. A rede Mestre Cervejeiro, que abriu sua primeira franquia em 2012, possui hoje sete uni­dades em operação e uma lista de 600 in­teressados. Segundo o fundador, Daniel Wolff, a estimativa é fechar o ano com 30 contratos. As lojas começaram com fatu­ramento médio mensal de R$ 29 mil. Em 2013, aumentou para cerca de R$ 35 mil, e a rede, com cinco unidades, faturou no total R$ 709,7 mil. Para este ano, a proje­ção é que o faturamento mensal das fran­quias seja de R$ 49 mil em média.

 

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