Diferentes daquelas fatalidades que parecem acontecer só com os outros, os golpes, as fraudes, os rombos, os desfalques em empresas são mais comuns do que se imagina. Infelizmente. Desconheço história empresarial isenta de algum tipo de abuso ou traição capaz de lesar o patrimônio, seja de pequena ou grande monta.
Diante dessa triste realidade, muitos dirigentes empresariais – tenham ou não sofrido tal revés – tratam de se resguardar fundamentados na filosofia popular que alerta: “a oportunidade faz o ladrão” ou “o seguro morreu de velho” ou “o melhor é confiar desconfiando”.
Entre as práticas de que lançam mão, para evitar problemas dessa natureza, está a de assinar cheques diariamente ou a de colocar o cônjuge ou algum outro parente para cuidar da área financeira.
São atitudes bem comuns, embora não recomendáveis, pois mantêm a empresa em estágios primitivos, naquela rudimentar condição de “firma” ou na incômoda condição de “propriedade”.
Pois bem, no âmago desse assunto está o controverso entendimento do que é e de como deve ser tratada a confiança no ambiente de trabalho.
Faça o teste
Confiança é uma palavra que pode ter diferentes sentidos. Muitos deles ligados a cada trajetória de vida. Pare de ler e tente definir qual é o significado que você atribui a ela. Provavelmente, perceberá que não é uma tarefa simples, porque se mistura com vários elementos, capazes de modificá-la.
Por não compreender exatamente do que se trata, é mais fácil substituir a confiança pelo controle (no caso de empresas com gestão centralizadora) ou pela delegação absoluta, ou “delargação”, com base em uma confiança cega.
O fato é que as empresas são levadas ao prejuízo tanto quando recorrem ao controle como à “delargação”. No primeiro caso, pela falta, no segundo, pelo excesso de confiança.
Pela ausência de confiança, a empresa se reduz a um grupo de autômatos defensivos e ressentidos. Defensivos porque se esmeram em não burlar os controles, as determinações e as regras, e ressentidos, pois são impedidos de usar todo seu potencial criativo de sentir entusiasmo no trabalho.
O excesso de confiança, por outro lado, é tolo, ingênuo e cego. Com a melhor das intenções, líderes benevolentes caem nessa armadilha. E o maior prejuízo – muito mais daninho do que qualquer perda monetária – é a devastação emocional, quando a traição é descoberta. A tempo ou não de evitar um dano irrecuperável.
O que não é
É bom esclarecer muito bem, antes de tudo, o que a confiança não é. Não se trata de um meio para atingir determinado fim, pois assim não passaria de mera segunda intenção.
A confiança também não é um “clima organizacional”, algo que promove a motivação e um bom ambiente de trabalho. Quem a considera dessa maneira lhe atribui um significado muito além do real. Impossível, portanto, de ser cumprido.
A confiança também não é um sentimento, embora, quando traída, desencadeie – sim – uma grande força emocio nal. De corrosivo teor.
A confiança também não é confiabilidade, uma palavra que tem relação com a competência, a previsibilidade, a algo assegurado. Confiança nada garante.
A confiança também não é uma crença, porque se fosse acabaria resvalando para o controle (quando não se acredita em sua existência) ou para a “delargação” (quando a crença é cega).
O que é
Confiar é fiar juntos a mesma trama. A confiança é criada e reforçada pelo confiar. Quando confiamos, encontramos razões para confiar. Da mesma forma que é bem fácil encontrar evidências que justifiquem a desconfiança. Por isso, apostar na confiança ou na desconfiança é uma escolha. No primeiro caso, uma opção inteligente, uma escolha racional.
Confiar é arriscar, mas é o único jeito de romper fronteiras e de seguir em frente, de avançar. O custo de uma traição pode ser avassalador, mas o da desconfiança não é menor, embora sorrateiro, porque diariamente contabilizado em baixos resultados e pobres perspectivas de futuro – assim, funciona com a silenciosa voracidade dos cupins, destruindo as madeiras de dentro para fora.
A confiança é uma opção, uma escolha, um compromisso assumido por aqueles que se empenham sinceramente em construí-la. Implica, portanto, relacionamento e a qualidade desse relacionamento é a base para a qualidade da confiança.
A qualidade da confiança, porém, é construída a partir de graduações e estas incluem a desconfiança, ou seja, aceitar a possibilidade de abuso e traição. Atenção: não se trata de “confiar desconfiando”, pois isso conduz a outra máxima, a de que “todas as pessoas são suspeitas até provas em contrário”. Nem de confiar no processo de trabalho (pois isso está mais para a confiabilidade) nem de confiar cegamente nas pessoas (naquela estupidez de colocar a mão no fogo por fulano ou ciclano).
Então, confiar no quê ou em quem?
Confiar na confiança! Pois a confiança é tanto uma virtude como uma habilidade. Por não ser algo fixo, imutável, mas que se exerce de comum acordo todos os dias, a confiança é também um construto.
Compreendida assim, a desconfiança não será negada. Os deslizes não levam à extinção pura e simples da confiança, mas fazem parte do aprendizado para o seu aperfeiçoamento e para que todos se superem diante do desafio que é construí-la.
A confiança abre a empresa para a abundância, para o universo das infinitas possibilidades. Pessoas que confiam umas nas outras são mais saudáveis e criativas e o ambiente de trabalho é mais flexível e inovador. E o mais importante de tudo: confiar modifica tanto a pessoa em quem se confia como a pessoa que confia. Ambas para melhor.
Por isso, apesar dos pesares vez por outra enfrentados, confiança ainda é o melhor golpe de mestre!
Roberto Adami Tranjan é escritor e educador da Metanoia Educação nos negócios (www.robertotranjan.com.br – www.facebook.com/RobertoTranjan)