“Inovar é a palavra chave”, diz diretor técnico do Sebrae nos 50 anos da entidade

Bruno Quick sebrae empreendedor

Diretor técnico do Sebrae Nacional, Bruno Quick, aponta que a transformação digital vai também mudar a mentalidade do empreendedor

Por Acari Amorim

Neste ano de 2022 o Sebrae  vai completar 50 anos, meio século de apoio aos micros e pequenos negócios, além de defender e criar um ambiente em todo o país mais favorável aos negócios.

O crescimento no número dos pequenos negócios e o fortalecimento desses empreendedores em todo o país nas últimas 5 décadas tem as digitais da entidade. Desde os primeiros passos, na escolha da melhor oportunidade, na formatação da empresa , formação empresarial e gestão do negócio, o Sebrae está presente na vida e no sucesso de milhares de empreendedores.

Nesta entrevista, o diretor Técnico do Sebrae Nacional Bruno Quick reconhece que, apesar dos avanços, o empreendedorismo brasileiro ainda precisa avançar, no ambiente de negócios em geral,  na obtenção de crédito e na conquista de mercados externos. Ele também aponta os negócios que terão mais chances de dar certos no pós pandemia.

 

Qual a marca do Sebrae que se destaca nessas cinco décadas de atuação?   

Bruno Quick –  Desde a sua fundação, o Sebrae sempre teve a missão de contribuir para o desenvolvimento sustentável das micro e pequenas empresas, além de apoiar um ambiente favorável para a geração de negócios. Nos últimos anos, cada vez mais, temos dado atenção especial à temática da inovação. Inovar é hoje a palavra chave para o Sebrae, para os atuais e novos negócios.

Por meio da inovação temos conseguido dar exponencialidade às nossas ações. Hoje atendemos mais de 8 mil negócios inovadores por ano, o que corresponde a mais de 50% dos CNPJs desse tipo de empresa no país.  Essas ações contribuem para o surgimento de novas empresas e também apoiam empresas mais maduras.

Além dos negócios inovadores, acompanhamos mais de 350 mil pequenos negócios com os nossos Agentes Locais de Inovação (ALI), programa de bolsistas em parceria com o CNPq, que visa aumentar a produtividade das empresas.

Por meio do programa Sebraetec, promovemos mais de 850 mil atendimentos e oferecemos acesso a serviços tecnológicos para inovação, promovemos a melhoria de processos, produtos ou serviços bem como a introdução de inovação nos pequenos negócios. Com isso, contribuímos com o fortalecimento de todo o ecossistema inovador e, consequentemente, com o crescimento de nosso país.

Quais os fatos mais relevantes para o fortalecimento dos micros e pequenos negócios que teve a participação decisiva do Sebrae?

Ao longo desses 50 anos o Sebrae trabalhou para que os pequenos negócios fossem reconhecidos como o motor da economia brasileira. Nesse sentido, atuamos em diversas frentes, desde o Congresso Nacional, contribuindo com a elaboração de leis, até a capacitação e consultoria aos empreendedores, para que pudessem superar as adversidades inerentes à atividade do empreendedorismo.

Quando se fala em legislação para as micro e pequenas empresas, é impossível não reconhecer o importante trabalho do Sebrae para que os constituintes incluíssem na Carta de 1988 um artigo que prevê o tratamento diferenciado aos pequenos negócios e na ação feita para a elaboração da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, que complementou esse importante artigo constitucional. Esta Lei, completa 15 anos em dezembro de 2021, e é a grande responsável pelo desenvolvimento do empreendedorismo no país.

“Existem hoje, no Brasil, cerca de 20 milhões de pequenos negócios que foram essenciais para o enfrentamento da pandemia e geram aproximadamente  70% dos novos empregos”

Qual a importância dos pequenos negócios para enfrentar a atual pandemia?

Existem hoje, no Brasil, cerca de 20 milhões de pequenos negócios que foram essenciais para o enfrentamento da pandemia do coronavírus e que são os responsáveis por gerar,   aproximadamente, 70% dos novos empregos. O que possibilitou o crescimento dos pequenos negócios no país, mesmo nesse momento de crise, foi justamente essa Lei Geral, que liberou o caminho para a criação de mecanismos como o regime tributário do Simples Nacional (que desburocratiza e diminui a carga tributária) e a figura jurídica do Microempreendedor Individual (MEI) – que pode ser considerado o maior programa de formalização e inclusão previdenciária do mundo. O MEI fez com que milhões de brasileiros que já empreendiam, ou sonhavam com isso, pudessem adquirir um CNPJ no momento da formalização, sem custo algum e com uma baixa carga tributária. Além disso, esse marco legal também permitiu que pequenos negócios participassem de licitações públicas, facilitou o acesso a crédito e abriu os olhos de estados e municípios para o fato de que essas empresas são essenciais para a economia das nossas cidades e para a geração de postos de trabalho formais.

Ao seu ver, quais as principais dificuldades para quem começa e quer ser empreendedor   hoje no Brasil?

As principais dificuldades para quem começa a empreender no Brasil são a falta de clareza nas normas, legislações conflitantes e desarmonia entre os dispositivos legais, além da dificuldade de compreensão das exigências legais.

Ainda estamos longe do ambiente favorável aos negócios como ocorre em países como o Canadá, Nova Zelândia e Finlândia que aprovam o registro de uma nova empresa em um dia. Até que ponto a burocracia brasileira ainda trava novos negócios no país?

Temos avançado muito na redução do número de dias e de procedimentos necessários para abertura de empresas no Brasil. No entanto, ainda temos travas pela dificuldade do negócio em atender às exigências dos órgãos, principalmente os licenciadores, pela falta de clareza ou subjetividade do fiscal. Pela dificuldade burocrática, o empreendedor pode desistir de empreender ou decidir operar na informalidade, o que limita seu mercado e traz risco jurídico.

É histórica a falta de representatividade nas exportações brasileiras de pequenos negócios que não chegam nem a 2% do volume total exportado a cada ano. Na Itália, na Alemanha, só para citar dois países, as taxas de exportação por pequenos negócios superam 60%. Por que isso ocorre no Brasil? O que falta para incentivar a exportação brasileira pelos pequenos empreendedores?

De acordo com a pesquisa GEM 2019, apenas 0,7% dos empreendedores entrevistados têm clientes no exterior. Entre os motivos para esse resultado, podemos elencar a falta de uma cultura voltada para a internacionalização e para a exportação dos empreendedores brasileiros, o tamanho do mercado brasileiro com sua extensão territorial e a baixa quantidade de pessoas que falam uma língua estrangeira.

O Sebrae atua junto ao governo federal, aos ministérios da Economia e das Relações Exteriores e com parceiros como CNI, CNA, APEX para a execução do Plano Nacional da Cultura Exportadora (PNCE). Por meio de consultorias, cursos, eventos de negócios, aproximação comercial, apoio ao acesso à inovação e missões técnicas, o Plano tem o intuito de mudar esse cenário, aumentar o valor exportado e o número de pequenos negócios no comércio exterior.

“A transformação digital que muitas empresas estão sendo forçadas a fazer, cria muitas oportunidades, como o desenvolvimento de aplicativos, websites, gestão de mídias sociais e gestão de marketing digital”.

Como resolver o dilema das taxas de juros altas, exigências de garantias e a necessidade das empresas de acesso a crédito para alavancar o crescimento de negócios?

O acesso ao financiamento dos pequenos negócios, seja pela via do crédito, que é a mais conhecida e praticada no país, ou pela via dos investimentos em participação societária, como é muito comum em economias mais maduras, sobretudo para financiar empresas inovadoras, está diretamente relacionado à percepção de risco de inadimplência desses negócios que é, por sua vez, derivada do que os economistas chamam de assimetria de informações. Isto é, numa negociação, uma parte sabe muito menos sobre a outra e, geralmente, no caso do mercado de financiamento, sobretudo no de crédito, as instituições financeiras sabem muito pouco sobre os solicitantes de crédito. No caso dos pequenos negócios esse é um problema até mais pronunciado, pois eles apresentam dificuldades para fornecer documentos e informações de qualidade, que são exigidas pelas instituições financeiras para analisar corretamente e adequadamente o nível de risco de inadimplência, a capacidade de pagamento dos empréstimos e financiamentos e as estimativas de fluxos de caixa futuros.

Além disso, esses negócios possuem, em geral, pouco histórico de contratação e pagamentos de empréstimos, o que acaba se tornando um ciclo vicioso, pois as instituições financeiras tendem a não financiar empresas sem um histórico e a falta de crédito impede que as empresas possam construir essa relação.

Como resolver este impasse?

Os problemas existem e precisam ser atacados em sua fonte, que é o risco. Além de conhecer esses aspectos, os pequenos negócios precisam atuar para reduzir esses riscos o máximo possível. Um dos redutores de risco são as garantias, uma vez que em caso de inadimplência, elas podem ser utilizadas para pagar os empréstimos e há um grande esforço nacional, já de alguns anos, de constituir agências de fornecimento de garantias para os pequenos negócios. Um exemplo é o Fampe (Fundo de Aval para Micro e Pequenas Empresas) do Sebrae, que permitiu o financiamento de cerca de R$ 24,5 bilhões desde o início de suas operações em 1995. Outros exemplos de fundos garantidores são o FGO (Fundo garantidor de Operações), gerenciado pelo Banco do Brasil, e o FGI (Fundo Garantidor para Investimentos), do BNDES. Mas há outros agentes como as Sociedades de Garantias de Crédito e, recentemente, em 25 de novembro, o governo federal lançou o Projeto de Lei do Novo Marco de Garantias, que pretende mudar as regras para a obtenção de empréstimos e que deverá ser analisado pelo Congresso Nacional neste ano.

Essa é uma medida que tende a tornar o mercado de crédito muito mais acessível para os pequenos negócios. Além disso, não podemos esquecer que outra forma de financiamento dos pequenos negócios está se fortalecendo no país, sobretudo para empresas inovadoras e com potencial de alto e rápido crescimento. Trata-se o do mercado de venture capital com investidores-anjo e fundos de investimentos em participações societárias. Isso já ocorre em grandes economias e tem se mostrado, ao longo dos últimos 40 anos, como uma importante fonte de financiamento de empresas. Basta pensar em grandes empresas globais, como a Google, a Apple e Amazon e que foram financiadas por esse mercado de investimentos. No Brasil, já temos alguns exemplos de pequenas empresas que se tornaram muito valiosas, pois contaram com esse tipo de financiamento. Por fim, fica claro que temos, agora, a oportunidade de utilizar essas novas fontes de financiamento, uma maior quantidade de ofertantes de crédito e um novo desenho de garantias para que possamos atuar em prol de mais capacitação e qualificação dos empreendedores e para a criação de planos de negócios sustentáveis e robustos que contribuam para o crescimento dos negócios e para o desenvolvimento econômico e social do país.

“Ao longo desses 50 anos o Sebrae trabalhou para que os pequenos negócios fossem reconhecidos como o motor da economia brasileira”

Cresce hoje em todo o país o investimento de risco, por parte de investidores e instituições, especialmente em startups inovadoras e de base tecnológica. Acredita que essa será uma tendência para os próximos anos?

Essa é uma realidade que vem se consolidando desde junho de 2020, com investimentos crescendo de forma significativa. O ambiente de inovação tem se expandido no país em virtude de alterações no perfil de consumo brasileiro, o que exige cada dia mais que a tecnologia esteja incorporada aos processos e produtos, ampliando a demanda por serviços digitais, levando ao surgimento de startups que atendam a essas necessidades e atraindo, consequentemente, investidores.

O ano de 2021 se mostrou bastante promissor para o investimento no Brasil. Os números são bem relevantes: recorde histórico no volume de investimentos diretos por grandes empresas em startups e negócios inovadores; rodadas de investimento mais expressivas crescendo significativamente e incremento no número de atores que atuam nos vários estágios do investimento. Essa situação é um reflexo do amadurecimento das empresas inovadoras no país. O Brasil se classifica entre os 10 países com o maior número de startups avaliadas acima de US$1 bi, com uma relação total de 16 unicórnios em meio a um registro de 13.465 startups em todo o país, de acordo com a StartupBase, banco de dados da ABStartups. Essa evolução do ecossistema é fruto de inúmeros programas de aceleração promovidos por instituições públicas e privadas e que têm contribuído para a criação e desenvolvimento de empresas inovadoras e na preparação de empreendedores para os desafios da inovação no país. É importante destacar o Marco Legal das Startups (Lei Complementar 182/2021) como uma grande novidade que tem contribuído para esse cenário promissor e cumprido os objetivos de estimular o surgimento de empresas inovadoras no Brasil e de melhorar o ambiente de negócios para os empreendimentos desse segmento.

Dessa forma, estamos vivenciando uma evolução ímpar no ambiente de inovação no país. Resultado da democratização da tecnologia, que tem estimulado o surgimento de novas empresas e – por conseguinte – atraído capital de risco, que está cada dia mais disponível para bons empreendedores, com times complementares e ideias que endereçam dores latentes de mercados grandes o suficiente para permitir escala.

No pós pandemia, em quais segmentos empresariais acredita que terão mais sucesso novas empresas?

Podemos afirmar que os negócios relacionados à Tecnologia da Informação estão entre os mais promissores. A transformação digital que muitas empresas estão sendo forçadas a fazer cria muitas oportunidades, como desenvolvimento de aplicativos e websites, gestão de mídias sociais e gestão de marketing digital. Há ainda oportunidades relacionadas ao maior uso de equipamentos de comunicação em geral, como biometria, automação residencial e empresarial e realidade virtual para teste de produtos e serviços.

A logística é outro segmento que presta serviços para todos os demais e no qual vemos ainda muitas deficiências. Quase toda empresa depende de algum processo de logística e o empreendedor pode conseguir identificar oportunidades aqui. Já constatamos que no portal do Sebrae estão sendo buscadas muitas informações para abrir empresas nesse segmento.

As mudanças no perfil do consumidor brasileiro também têm influenciado a criação ou incremento de outros segmentos. Podemos citar como exemplo a crescente proporção de idosos na população, que tem criado nichos com oportunidades específicas em áreas como saúde e bem-estar, atividades físicas, turismo e serviços em geral. Outra tendência é o aumento da população de animais domésticos. O mercado pet já conta com grandes players de varejo, mas também tem muitas possibilidades para pequenas empresas de higiene e embelezamento, alojamento e treinamento de pets.

Esse é outro segmento bastante procurado no portal do Sebrae. É importante destacar que nem sempre as tendências que alguns segmentos apresentam são garantia de sucesso do negócio. O perfil do empreendedor e o seu propósito também contam muito. O empreendedor precisa se conhecer bem, além de entender como funciona o seu segmento.

Isso permite que ele identifique oportunidades de inovação, se relacione bem com o mercado e faça uma gestão profissional do seu negócio. Entre os alertas para os empreendedores estão a diminuição do poder de compra da população e aumento do endividamento. Por isso, o empreendedor precisa planejar o negócio tendo muito foco no potencial de consumo dos seus clientes. Também é necessário que eles fiquem atentos às incertezas e mudanças cada vez mais rápidas no mercado para aproveitar oportunidades, fazer as modificações necessárias na sua empresa e agir com criatividade e inteligência.

Sobre a transformação digital, é importante lembrar que não se trata apenas no uso de tecnologias digitais. Ela vai além e deve ser vista também como uma transformação na mentalidade do empreendedor, que precisa gerir seu negócio entendendo que a presença no mundo digital precisa ser natural e automática a partir de agora.

BRUNO QUICK

Cidade: São Paulo

Idade: 55 anos

Formação: Administração

Cargo atual: Diretor técnico do Sebrae Nacional

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