Startups, menos “cool” do que parece

Como será que alguns startups conseguem atingir uma taxa de crescimento de 4 dígitos e administrar esse hipercrescimento? Para responder essa pergunta, decidimos entrevistar dirigentes de 40 startups na França, Estados Unidos, China e Israel (BablaCar, Criteo, Coursera, Deezer, etc.). Também encontramos representantes de aceleradores como Hax, financiadores, capitalistas de risco, business angels, etc.
O resultado da pesquisa mostra que as startups estão bem longe de ser empresas só positivas e sedutoras, como tínhamos na mente começando esse trabalho.

A regra de hipercrescimento

O primeiro mito que foi descontruído é que a arma secreta das startups de alto rendimento é a “cultura das startups”, que se orgulha dos “cool”. De fato, descobrimos que os resultados financeiros são articulados em torno de cinco elementos básicos: a visão, a cultura, a gestão de recursos humanos (RH), os principais indicadores de desempenho (KPI) e o financiamento.

Esses elementos são válidos para todos tipos de empresas, mas seu uso nas startups é diferente, pois elas costumam se concentrar nessas ferramentas de maneira quase obsessiva, como alguns entrevistados confessaram. Em outras palavras, o desempenho excepcional das startups baseia-se mais em uma gestão meticulosa e maníaca do que em mesas de pingue-pongue e moletons com capuz nos escritórios.

A importância da visão fundadora

O primeiro fator de sucesso, destacado por quase todos os fundadores que entrevistamos, é a visão. Tudo geralmente começa com uma intuição, uma ideia que quebra a cadeia de valor de um setor e se estabelece como um ator essencial que não pode ficar do lado. Startups atacam o “legado” (empresas já bem estabelecidas num setor determinado) com a vontade de desintermediar. Essa visão geralmente é acompanhada de uma ambição totalizante/grandiosa que diferencia as startups das PMEs convencionais, que têm objetivos mais modestos, como explicou Karsten Popp, vice-presidente sênior da Autodesk, uma empresa de software de design em 3D:

“Passamos de alguns milhares de dólares em receita para bilhões em menos de sete anos. Se você quiser comprar a Autodesk e seus 8.000 funcionários, terá que pagar 25 bilhões de dólares, tanto quanto se quisesse comprar a Renault, que tem mais de 100.000 pessoas. Por quê? Não se trata apenas de inovação. A Autodesk adotou uma visão muito ambiciosa – ‘O que não foi feito por Deus nesta casa foi feito pela Autodesk’ –e isso foi relevante não apenas para alguns arquitetos, mas para milhões de usuários, criando o “movimento de criadores” que cresceu em todo o mundo. Essa visão inovadora abriu novos horizontes “.

Uma cultura compartilhada para solidificar um esqueleto em crescimento excessivo

A visão determina a cultura da empresa, que é percebida pelos líderes de startups como um elemento-chave do seu universo. De fato, quando uma empresa dobra seu tamanho a cada ano, não são os processos e hierarquias que preservam a organização, mas a existência de uma cultura compartilhada. Cuidado, no entanto, essa cultura pode murchar o sistema se for muito rígido, invasivo ou focado em alguns componentes em detrimento de outros (criatividade, atendimento ao cliente etc.). É tudo uma questão de equilíbrio entre fidelidade à visão e evoluções necessárias.

“Não brinque com a cultura”, é o conselho dado em 2012 por Peter Thiel, cofundador do PayPal, a Brian Chevski, fundador do Airbnb, no qual ele tinha investido 150 milhões de dólares.

 

Gestão de RH, os nervos vitais

Procedimentos específicos de gerenciamento de RH decorrem dessa visão e cultura, bem como do hipercrescimento gerado. No início da startup, a escolha dos primeiros funcionários pelos fundadores é um grande desafio estratégico. Os fundadores do Airbnb gostam de dizer que demorou seis meses para recrutar seu primeiro funcionário… Essa atenção meticulosa ao recrutamento não diminui com o crescimento, e algumas startups aceitam o fato de que seu processo de recrutamento às vezes é mais parecido com um show de talentos de TV como “ The Voice” do que um processo de seleção tradicional. Estamos muito longe, aqui, dos processos padronizados estabelecidos por empresas mais tradicionais. Algumas startups optam por ter pessoas dedicadas a encontrar talentos. Como explicou Laure Wagner, porta-voz e membro fundador da BlaBlaCar: “Se o recrutamento foi feito inicialmente pelos líderes de equipe, agora é a tarefa da equipe de” talentos “, composta por cinco pessoas. Isso é essencial para uma empresa que contrata até 30 pessoas por mês. ”

KPIspara entender e marcar o crescimento

Em um contexto de hipercrescimento que requer reatividade e decisões rápidas, o gerenciamento de indicadores como KPIs (Key Performance Indicators – Indicador-Chave de Desempenho) se torna primordial. Todos os nossos entrevistados disseram que usam muito esses indicadores, que acompanhamsem parar. AurelienHerault, diretor de dados e pesquisa da Deezer, uma plataforma de música online, disse:

“No começo, costumávamos usar nossa intuição. Hoje em dia, usamos KPIs para medir o engajamento do nosso usuário. Sabemos como estabelecer correlações entre alguém que se registra e alguém que vira cliente.”

Para alguns, esse monitoramento se tornou quase permanente, com observação horária das taxas de processamento, agitação, etc. Até pode impactar a vida inteira de um líder. YannBoquillod, fundador daAirVisual, uma plataforma que visualiza a qualidade do ar em tempo real, admite: “Todas as manhãs, quando acordo, a primeira coisa que faço é observar o número de usuários, o que eles dizem sobre nosso aplicativo e eu verifico se os servidores estão funcionando bem! ”

Essas ferramentas de gerenciamento também existem em PME com rotatividade semelhante, mas não da para comprara a importância que lhes é dada nãonas startups.

Financiando o futuro

Para gerar crescimento, a maioria dessas startupsé forçada a entrar em um processo de crescimento financiado por projeções futuras. JulienHervouët, CEO e fundador da iAdvize, líder europeu em relacionamento com clientes, explica:

“No ano passado, captamos 14 milhões de euros da Aven Capital. Esses fundos nos permitiram acelerar nosso crescimento. É o combustível do nosso motor. Sem esses fundos, isso não seria possível. Em outras palavras, é sobre viver e escalar enquanto projetamos um ano à frente. ”

A estratégia das startups não é consolidar sua posição e buscar resultados imediatos. Em vez disso, eles escolhem de crescer sem parar, usando recursos externos para financiar aquisições e desenvolver suas capacidades. As coisas estão indo tão rápido que startups precisam correr mais rápido do que as outras … às vezes ignorando fundamentais econômicos, como a lucratividade imediata da empresa. Enquanto uma empresa tradicional ficaria feliz com uma taxa de crescimento anual de 4% e margens operacionais de 30%, as startups buscam crescimento a qualquer custo e o financiam por meio de terceiros.

No final, longe do mito de uma empresa inovadora e descolada onde a vida é boa, o estudo revelou que essas empresas estão100% focadas em alcançar objetivos muito ambiciosos. E para atingi-los, aplicam métodos de gerenciamento que nenhuma empresa tradicional ousaria considerar hoje em dia.

*Nicolas Minvielle é professor da Audencia Nantes ( faculdade de administração francesa, sediada em Nantes). Artigo co-escrito com Martin Lauquin. Para mais informações: N. Minvielle, M. Lauquin, N. Caruso .”Acceleration”, Diateino.

 

 

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