Por Marcelo Dezem, Diretor de Operações da Eventim*
Sempre voei muito, mas nunca tive a real ideia do quão complexa seria a aviação até trabalhar nela. Ambiente altamente regulado, dependente da infraestrutura privada e estatal, complexo pelo aspecto da malha aérea e sua logística e exposto a variáveis de clima, câmbio e do preço do combustível que podem fazer o resultado variar de forma exponencial.
Não foi diferente com a venda de ingressos. Atuando há 2 anos no segmento, confesso que imaginei que era uma operação bem mais simples. Ledo engano!
Este mercado no Brasil é dinâmico e está em constante evolução, refletindo mudanças no comportamento do consumidor, avanços tecnológicos, legislação e a retomada do setor de eventos após a pandemia de COVID-19, que impulsiona a competitividade e a busca por novas formas de interação com o público.
Depois de anos de experiência na área, separei 5 insights que fazem as grandes turnês acontecerem e que são de extrema importância para que sejam bem sucedidas.
1 – Regras e obrigações
Entre as diversas nuances da atuação na comercialização de ingressos no Brasil, podemos citar em primeiro lugar a quantidade de regras e obrigações para operar neste nicho de mercado. As meias entradas são exemplos disso, obrigatoriamente disponibilizadas por lei, e variam em proporções de acordo com a legislação de cada estado. Em Curitiba (PR), por exemplo, ela deve ser disponibilizada – em algumas situações com limitação de inventário e em outros sem – para estudantes, idosos, doadores de sangue, portadores de doenças como câncer, professores, entre outros. Já no Rio de Janeiro (RJ) há a mesma obrigação para os jovens menores de 21 anos e de baixa renda.
Mas engana-se quem acha que basta cumprir as exigências. Há a conferência da documentação comprobatória que pode ser feita nas bilheterias, no caso da venda física, ou mesmo no acesso à venue (local onde acontece o evento).
2 – Complexidade da operação
Outro tema importante é a complexidade, com lotes e tipos de entradas – meia idoso, meia estudante, inteiras, etc -, diferentes venues, setores e sessões ou datas dos shows. Abrimos recentemente uma turnê com 30 localidades distintas, aproximadamente 9 setores diferentes, com 3 tipos de entrada, e da mesma forma, descontos para o patrocinador que multiplica tudo por dois. Desta forma temos a equação: 30 (localidades) x 9 (setores) x 3 (tipos) x 2 (promoções) = +/- 1.600 bilhetess/venue/tipo/desconto a serem configurados e conferidos no setup deste evento. Qualquer pequeno erro em um ambiente de grandes volumes (0,5 milhão de ingressos, neste exemplo) pode significar enormes prejuízos.
3 – Gerenciamento da demanda
Dependendo da banda ou artista, a procura pode ser extremamente alta. Por exemplo, os shows do Coldplay e do RBD causaram uma enxurrada de acessos aos sites de venda, com entre 200 mil e 700 mil simultaneamente, resultando em longas filas virtuais. Em contrapartida, há eventos com vendas mais graduais e consistentes, como a turnê do Andrea Bocelli, cujos ingressos foram vendidos de maneira estável desde a abertura até pouco antes do show.
Gerenciar uma bilheteria requer planejamento cuidadoso para definir o número de atendentes, posicionar barreiras de segurança, e disponibilizar equipes de orientação, especialmente quando a demanda é imprevisível. Além disso, estimar a procura em si é uma tarefa complexa, pois ela varia de acordo com diversos fatores, como o artista, o preço, a região, a última vez que ele se apresentou na cidade, entre outras variáveis.
Para shows com complexidade na operação, implementamos uma fila virtual para organizar os potenciais compradores e garantir a robustez da plataforma online, desde o momento em que o ingresso é colocado no carrinho até a conclusão do pagamento. A frustração do consumidor devido a problemas com o processo de compra pode resultar em transações não concretizadas e reclamações nas redes sociais, impactando negativamente a imagem das empresas envolvidas na realização do evento.
4. Nossos clientes produzem os shows
Neste contexto, são nossos clientes, as produtoras, que negociam cotas de patrocínio, parcerias e contratam os artistas. É muito comum que estes tenham a contrapartida de seus investimentos, condições de preço e descontos diferenciados para seu público, além da exposição das marcas, dessa forma essa demanda representa promoções distintas da venda geral.
Além disso, quando estes patrocinadores são do universo financeiro, as condições também vêm atreladas ao uso de uma condição específica de meio de pagamento, como por exemplo, a comercialização apenas por meio de uma determinada bandeira de cartão de crédito, comercialização exclusiva para a carteira de clientes do patrocinador, entre outras especificidades. Dessa forma, é gerado uma necessidade de adaptação e desenvolvimento do sistema de vendas.
5. Segurança é uma prioridade
À medida que o mundo se torna mais digital, a segurança ganhou destaque como uma questão crítica, especialmente no contexto de vendas de ingressos online. A proteção dos consumidores contra fraudes e ataques virtuais é agora uma prioridade inegociável. A Eventim Brasil reconheceu essa demanda e lançou um novo tipo de ingresso, não apenas mais sustentável por eliminar o uso de papel, mas também mais seguro: o Eventim Pass. Esse modelo reduz significativamente o risco de falsificações ou revendas múltiplas, pois o sistema só permite que o ingresso seja transferido uma vez. Essa medida não apenas protege os consumidores, mas também estabelece um novo padrão de segurança, garantindo experiências confiáveis para todos os envolvidos.
Em resumo, colocar um evento a venda é um processo relativamente longo e detalhado que envolve leis e regras, precificação, avaliação e abertura de pontos físicos, bilheterias devidamente dimensionados e preparados com organização e segurança, setup da fila virtual, salas de monitoramento, desenvolvimento de meios de pagamento, definição e construção de mecanismos de contingência. Por fim, toda a logística ainda passa por inúmeros testes para que aconteça uma venda exitosa.
*Marcelo Dezem tem mais de 30 anos de experiência no setor de operações de diversas companhias, incluindo a Latam Airlines, na qual ocupou os cargos de Diretor Executivo, COO & IT, Head Executivo e Estatuário, Diretor Executivo de Vendas Diretas, Diretor Executivo de Malha e Frota e Diretor Executivo de Canais Eletrônicos. Também foi Diretor Executivo da Unidade de Negócios da Embratel por dois anos. Está na Eventim Brasil desde 2022, no cargo de Chief Operating Officer (COO). No período esteve à frente de eventos como RBD, Coldplay, Paul McCartney, entre outros.