Um filósofo na empresa!

Um novo cargo apareceu nas startups da Silicon Valley: Chief Philosophy Officer (CPO), filósofo interno, mistura de coach, consultor e estrategista, ajudando o CEO  a lidar com questões fundamentais como ‘O que é uma vida boa e virtuosa’, ‘Como ser um bom chefe’ e ‘Qual deve ser o objetivo da minha empresa’.

Essas perguntas são fundamentais num ambiente que desenvolve tecnologia inovadora, como a inteligência artificial. Os filósofos podem ajudar na definição de padrões nos programas de inteligência virtual ou nas interações da IA com os seres humanos. As mesmas questões morais também são relevantes para o uso de algoritmos por plataformas como YouTube, por exemplo, para escolher novo conteúdo para o usuário assistir. Será que esses algoritmos devem ser programados com o único objetivo de maximizar o tempo do usuário na plataforma, sem se preocupar sobre onde as sugestões levam o usuário? Um artigo recente do Guardian (Lewis, 2018) sugeriu que um dos algoritmos do YouTube estava levando os usuários a conteúdos cada vez mais divisionistas, sensacionais e conspiratórios para eles ficarem mais tempo na plataforma. Ter um CPO pode ajudar a desenvolver diretrizes para uma programação mais “moral” que poderia, por exemplo, destacar valores democráticos.

Ter um “Chief Philosophy Officer” é uma ideia atraente e esse cargo pode ser fundamental em mercados que estão evoluindo com uma velocidade inédita. A filosofia pode ajudar a definir objetivos e orientações na vida, abordando questões fundamentais sobreo sentido. É importante ao abordar temas como a convivência e o jeito de tratar os outros. Os CPOs podem ser mediadores importantes, ajudando gerentes ou empreendedores sobrecarregados a colocar as coisas em perspectiva e a dar um passo atrás no dia-dia para ter uma visão mais ampla.

O CPO pode também ajudar as startups inovadoras a avaliar suas metas. Num mundo que está enfrentando grandes desafios como sustentabilidade, conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável traçados pela ONU, a inovação deveria idealmente contribuir para um futuro sustentável. O papel do CPO aqui seria direcionar a empresa para que ela inovasse, tentando aproximar objetivo moral e lucratividade. Além disso, o pensamento filosófico pode ajudar os inovadores tecnológicos a definir os limites de suas inovações, desde questões de direitos à privacidade até valores humanos da inteligência virtual.

Por fim, em relação a liderança, todos nos temos exemplos de empresas onde as coisas deram muito errado; não faz mal ter alguém na empresa que fornece orientação e objetivos para liderança.

Empregar filósofos é um fenômeno novo e emergente, que dá agora seus primeiros passos. Provavelmente levantará polêmicas e sentimentos contraditórios. Esses filósofos práticos enfrentarão desafios semelhantes aos gerentes de responsabilidade social corporativa, pelo menos no inicio. Eles terão de fazer-se ouvir num ambiente ainda impulsionado por lucros e precisarão provar o valor e a legitimidade do seu cargo na organização. Além disso, eles enfrentarão o desafio de traduzir pensamentos filosóficos as vezes complicados em implicações do mundo real para os negócios. Este sempre foi um desafio para os filósofos. Haverá embates contra um argumento filosófico coerente que será derrubado por não se encaixar nos cinco passos de um negócio “virtuoso”.

Acho que precisamos nos perguntar sobre a oportunidade de sensibilizar os futuros gerentes ao pensamento filosófico e à liderança responsável durante a formação nas faculdades de administração. Isso reforçaria o potencial deles sobre questionamento, lógica e raciocínio e poderia lhes dar um objetivo e um caminho num momento em que a identidade deles ainda está maleável. Evitando assim pela frente de contratar especialistas para conscientiza-los e treina-los sobre o que é certo e justo.

*Cristian Vogtlin é professor de Audencia Nantes (faculdade de administração francesa, sediada em Nantes).

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